O universo do seu corpo
Começando do alto, o que há é um céu com dois fachos luminosos, intensos, maravilhosamente brilhantes e envoltos em uma cachoeira negra que, como um véu entorna esses luzeiros incessantes e compõem admirável cena. E tal composição fica em sedosa nuvem, formando uma incansavelmente bela paisagem que, não fossem mais belezas a que se admirar, havia de manter inerte o poeta. Estrelas cintilam logo abaixo, ordenadas, brancas, puras, como marfim...
E, descendo do céu, chega-se então à terra, e baixando pela escarpada o que se avoluma são duas elevações, montanhas firmes que pedem a escalada, que não põem medo, mas que atraem pela beleza, pela leveza, pela disposição perfeita. Montes que podem ser prazerosamente circundados, escalados, transpostos...
Vencidos os montes, minha visão percorre em seguida um planalto, e o cerrado que sobre ele se dispõe não é seco, mas sedoso, macio de se percorrer. E o perfume que rescinde remete às mais exóticas flores, jamais vistas ou conhecidas, porém sonhadas.
Tendo espalmado todo o cerrado, conhecido cada canto dele e percorrido a luminescência de suas planícies, vê-se um ponto, um marco indicativo de que o litoral é próximo.
Agora vou ao mar, que é torneadamente disposto em ondulações e que, não fosse o desejo de tocá-lo, imperaria a contemplação. Dentre as ondas, de formas perfeitas a serem navegadas, há uma chamada, como de sereia.
Não há como resistir, não há como não mergulhar e aventurar-se dentro desse paraíso oceânico e, nele, procurar pelos tesouros que esconde em suas reentrâncias e bem no fundo, entre tantas visões do que é belo, encontro uma concha.
Doce, meiga, bela, feita em fôrma única e talhada por mãos divinas (que humanas não poderiam impetrar tal perfeição). Olhar a concha, tocar a concha, provar da concha e então:
Ventura das venturas! A pérola que encontro, ao ser tocada, faz os luzeiros se fecharem, arrepiam-se os montes, frisam-se os cerrados e aumentam-se as ondas. A pérola, ora tocada, faz todo este universo que vejo sentir algo, algo bom, faz tal universo remoer-se, contorcer-se, arrepiar-se, entregar-se todo nas mãos de um homem.
E de onde olho, de dentro do mar, no enlevo da pérola ora tocada, ora obtida, ora conquistada, posso sentir-me privilegiado, pequeno poeta que tocou o céu, que percorreu a terra, que dominou o mar, que enriqueceu-se com jóia de incontável valor.
Pequeno poeta que percorreu em tão pouco tempo o universo - o universo do seu corpo.