Princípio 2

Mais distante que o olhar. Leio "As Cidades Invisíveis". E quando desvio a atenção das páginas, a névoa ondula no ar roxo do fim do dia. Percorro de autocarro avenidas, também elas invisíveis. Não há nenhum destino escrito que me lembre, não sei para onde vou, interessa-me apenas ir. Viajo para fender os meus próprios limites. O que se vive do outro lado das janelas do veículo, enquanto o movimento dissipa qualquer essência do que existe? Devir, ser permanentemente outro, dobrar um muro com convicção e fragmentar a identidade. Por que a questão não é o que sou, mas o que vou sendo. Caem as sombras como sombras breves. As personagens invisíveis escolhem e são escolhidas por um rumo ou rumor, sim, um rumor análogo ao vento que vai, como o vento, repito, infiltrando-se pelos poros do vácuo. Observo, observar as lâmpadas sobre o mundo, os jardins diluídos na distância, alguém que morre de solidão num arranha-céus, os centros comerciais onde se compra o quotidiano em doses de felicidade a prestações. Invisível, mesmo a vida no prumo longínquo do horizonte. Esta noite e a outra, na noite próxima aguardo e guardo os teus lábios, essa luz que te desliza pelos ombros e me encandeia, te disse, me disseste que disse. E muito mais para descrever no entretanto de uma viagem, uma viagem ao fundo de qualquer cidade invisível. Se. Voltamos a este corredor imenso, aos vidros silentes por onde passa o mundo. Em princípio.