[Quando Amanhece]

... Amontoam-se no fundo do meu eu profundo,

— lá, onde mais eu me erro, e distancio-me de mim —,

os meus sonhos fanados, os meus descaminhos,

as certezas desfeitas em pó, as trilhas errosas...

O que é que alguém poderia tanto querer de mim,

se esse alguém apenas tangencia meu eu exterior,

se nem percebe a minha louca variabilidade de ser,

se não sabe que sou apenas e tão somente na duração?

E por que, por que exercer contra mim, contra o meu "eu",

esta tamanha crueldade de querer mais que a duração?

Por que não pensar-me apenas como uma chama,

ou como um sonho que se esvai quando amanhece?

Quando amanhece, lentamente,

a lucidez surge fazendo já cinzas do amor;

e ainda no calor dos lençóis amarrotados,

e numa grotesca epifania de repetentes solicitudes,

instala-se a vã temporalidade das coisas cotidianas.

Ciclos... Quanto entardece, és minha, eu sou teu;

mas quando amanhece... somos fuga,

somos a inexorável revoada dos sonhos;

o amanhecer é só prenúncio de separação!

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[Penas do Desterro, 23 de fevereiro de 2009]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 23/02/2009
Reeditado em 16/01/2013
Código do texto: T1453087
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