fagulhas
a noite não cessa e mesmo as abelhas não dormem
há alguma coisa estranha entre as manifestações das horas...
um gosto acreácido de chuva rompendo o ar
ou mesmo uma vontade de fuga do inominável
uma cicatriz agora tem a força de uma grande e pútrida ferida
estou aqui pregada neste chão, os braços distensos e as pernas pendendo em opostos
é a grande marca desta via crucis
um pensamento fixo me detém nesta imolação dantesca...
um girassol se cria em minha boca
e na madrugada eu giro o sol de acordo com a vontade da língua
é a única poética que me permito
vidrinhos de perfumes japoneses e franceses cintilam como purpurinas cegas
turva a visão dá margem a formações vaporosas em filme preto e branco
e me pesa ver as cores fugindo por entre as frestas da janela entreaberta
eu hoje encontrei com o passado e este me empurrou no seu balanço costumeiro
as cinzas-lembranças viraram fagulhas
a ponto de faltar ar e mesmo me levar ao piso frio...