O CEGO

Perdi a vista, quando era muito criança,

Nua brincadeira inocente,

Depois disso as travas não foram clementes,

E vivi sempre na mendicância.

Um dia estava sentado na beira da rua,

Quando escutei passos de muita gente,

De repente parando perto de mim,

Um homem me pegou pelo braço firmemente,

E me pôs de pé, com uma boa vontade sem fim.

O escutei cuspindo no chão,

E um barulho de lama misturando,

Segurou minha cabeça, e nos meus olhos colocou a unção,

Disse para ir até o poço, e ir me lavando,

A candura da sua voz ficou me encantando.

Lavei, bastante meus olhos, e que surpresa,

Cada vez que molhava, a vista melhorava,

A luz ia vendo e as cores ficavam acesas,

Até que me acostumei com a claridade,

E tornei a ver tudo como era de verdade.

Voltei-me para ver o meu bem feitor,

Mas não havia ninguém por perto,

Só uma turba, indo ao longe por certo,

Não vi quem foi, mas meu coração sentiu,

Chorei de emoção, pois era cego, mas ele me viu.

Fui para casa contente, contar a meus parentes,

Queria ver todos, e tudo, de uma só vez,

A mata, a terra, os rios e sua nascente,

Comecei a ter uma vida diferente.

Um certo dia, que já me esquecia,

Lembrei de ir ao templo, comemorar a Páscoa,

Eram dias depois, mas ir ao templo eu queria,

Comecei a caminhada, vendo tudo ao meu redor,

Que saudades eu tinha de ver os pinhais,

Olhava as pessoas, e via as coisas boas.

Chegando perto do portão da cidade,

Vi uma multidão aglomerada,

E um corredor no meio protegido por guardas,

Achei que fosse uma parada,

Passei então por fora, pois já adiantava a hora.

Depois que passei do portão para dentro,

Ouvi os estalos de chicote, parei de pinote,

E quis ver o que acontecia, mas como faria?

De onde eu estava, não via nada,

Pois havia muita gente, atrapalhando minha frente,

O senhor ao meu lado, disse ser condenado penitente.

Só ouvia o barulho do primeiro passar,

Levando no ombro, o chicote a estalar,

Mas quando passou o segundo,

Fiquei curioso, não via o moribundo,

Mas a ponte de uma cruz inteira,

Que carregava sozinho na esteira.

Perguntei ao senhor, quem era o pecador,

Ele me disse que era um Galileu,

Que nada fez de mau na vida,

Mas esse castigo mereceu,

Queria mudar o mundo, ser o rei dos moribundos,

Tinha muitos milagres, como acusação, na lista,

Curou aleijados, surdos, mudos e os cegos da vista.

Nesse momento pensei, se era ele o homem,

Que de tão bondoso me devolveu a visão,

Abaixei a cabeça chorando, pois o cortejo passou,

Podia ver o mundo inteiro agora,

Menos aquele que me curou.

By Xandy Carvalho®