Sobre o que é trágico ou risonho nas obras líricas

Sobre o que é trágico ou risonho nas obras líricas

“A mulher amada é aquela que aponta a noite

e de cujo seio surge a aurora”.

Vinicius de Moraes

I – Perfazimento

Era um menino e um cavalo nas crinas da ventania.

Era o poeta e a loba limando as rochas da lágrima

e um geólogo que não quer mais saber de rochedos.

Despe-se de cinzéis, atarraxa uma rosa no peito,

enlaça três aves para um buquê de flores e,

pensa em como usá-lo para deter a solidão.

II – De meninos e lobas

- Inventei o aço das delicadezas, na pele de um cipreste cheio de ventania, diz ele observando-a. Tem ela as mãos distraídas sobre uma colcha de retalhos e ele acrescenta:

- Eu sei cavalgar até as alimárias do sono.

Ela, depois de pensar por algum tempo:

- Serei vazia de amor como aquele último lagarto do verão que passou ou terei a ternura de um pássaro que foi fecundado pelo beijo da amada?

III - O poeta

Temo que sobre o bom poema, este resulta de o poeta saber muito e bem ler sobre as coisas pensadas com lâmina, a ânsia é antes.

Já sobre as fêmeas, a humana é bicho setembrino, embora todas elas tenham de flor, o aspecto que na rosa mais lhe dói.

E digo que não agüentam o peso do silêncio, para aclarar o argumento, chamem um macho que isso não é coisa de poeta...

IV – Sobre a lágrima ou despedida

Na próxima estação partirei mais cedo. Antes que uma loba libere seu uivo mais sentido.

Em seguida ela também partirá e vai esquecer o território onde tanto amou. De si, ela sabe narrar o indizível e eu, destes campos arbusculados, já tive muitas tardes de preguiça.

Ela foi quem pariu as traquinagens. Hoje até onde nossos olhos alcançam não há mais rebentos de pelúcia, brincando de ser feliz.

V – Crianceiro

Depois que tive escola e aprendi com um pantaneiro, sei que toda tarde de criança é azul. E hoje que chove de águas brandas, penso em ir mais cedo para o berço e esperar que uma estrela me desperte, trazendo-me um cesto de maçãs e uns versos-menino.

VI – Desejo de Artesão

Não fosse um delírio este meu eterno anseio: quisera, talvez – um obrar de poesia, donde o artefato de tão belo e justo se perde do criador.

Um benfazejo objeto, onde o vinho é depositado para um brinde a todas formas de vida. Estas que natura com suas mãos de forjador, teceu filhos de encantamento...

VII – O Geólogo

Somente os que têm os nervos lívidos, não conseguem escutar um galope, atravessando as madrugadas.

- Eu vou escavar em cada ouvido um abrigo, onde o cavalo do vento possa repousar...

Quando peço carona, sou extremamente cuidadoso para não deixar vestígios de mim na aurora.

E sem desvelar o que há por detrás da noite, volta para casa com as unhas cheias de terra, mas sou eu que amanheço mais tranqüilo para ajudar as flores e seu carrasco. Faremos juntos mais um dia no jardim.

VIII – Outra vez o poeta

Sou um vadio com uma viola incrustada no peito e uma balada é a aparência que quis dar a meu cantar de amigo. E há de vir o tempo, quando o nome de um homem será pronunciado pelos lábios de outro homem, da maneira mais ternal.

IX – Posfado

As obras que são delicadas podem ser trágicas, se manipuladas por mão rude. E as que nasceram do riso podem ocultar uma lágrima. Todavia, na vida cansado de penúria e tonto de mundo, é o homem

o único animal que sabe passar pela vida, num galope solitário...