As esfinges e o enigma (04-julho-2004)
do centro de uma praça o cavalo relincha
:De onde vens e para onde vais?
- De casa venho, para lá retorno
passo
aos pés da escada
heráldico, o cachorro ladra
:de onde vens e para onde vais?
-De casa venho para lá retorno
passo
na rua de cima, acima da rua
dos muros e de mim
a horda de periquitos verde-uníssono
grasna contra o brilho azul
:De onde vens e para onde vais?
-De casa venho, para lá retorno
(rompe-se a barreira invisível
meus passos continuam - e os pássaros)
passo
deparo-me com o templo-caminhão-de-lixo
d´onde do altar mor o sacerdote indaga
:De onde vens e para onde vais?
- De casa venho, para lá retorno
cercado por quatro anjos lixeiros
de ouro vestidos
o pontífice me abençoa
com um sorriso e diz,
-Bom dia, menina
alas de escola de samba
os caminhos se alargam
passo
lágrimas saltam,
compreendo o enigma
:a vida, esfinge que devora
e a todo o tempo indaga
exige e se doa
passeio na calçada
e a vida me abraça passo a passo
entre deixar a morada
e o retorno
a distância se encurta
passo
2
novamente me param
e desta vez não me perguntam
estanco e olho
_Ah! o velho senhor,
murmuro
o general Pálpebras-Caídas não me questiona
cumpre o antigo e inútil ritual de correr atrás do próprio rabo,
gira, não como dervixe buscando a lucidez
gira e se entorpece
como castigo,
cão permanecerá
os inconcebíveis rios vermelhos
cruzando-lhe as retinas não me impedem
passo
3
dos céus um demônio
na forma de avião prateado indaga
: De onde vens e para onde vais?
ergo a cabeça,
fito nos olhos
o desafio,
o medo antigo e visceral que me calava,
perde a data de validade
- De casa venho para lá retorno
em ira o demônio se infla
incrédulo, dardo enviesado
_Quantas vezes perguntei sem obter repostas?
A milhares de pessoas?
E agora, ousas responder ao enigma!?!?!
fita-me
e inchado
explode em fagulhas,
balão de São João
passo
mais próxima do retorno e mais leve
não mais choro,
sorrio para o sacerdote-lixeiro,
simpático no seu templo-reciclagem,
o sacerdote da transformação
passo a passo
passo