Salvando a palavra
Escuto a chuva
comovida e vespertina
ainda que tarde.
Do janeiro que foi,
fevereiro está.
Desse modo, mando-te
a palavra já afogada,
a mercê do salvamento.
De vê-la ali, tão rasa na poça
em plena Rua Álvares Penteado,
fiz de ampará-la.
Caída em porta de banco,
envergonhava-se em levantar.
Algumas escoriações,
dizia-se tonta e confusa.
Desvelei cuidados médicos,
literários e também
contábeis.
Talvez nas contas,
me perdi, falhei.
Vi em sua bolsa,
na receita do doutor,
que deveria receber
três doses de amor diárias,
dei-lhe nenhuma, estava sem.
A palavra adormeceu
em meu colo, esmoreceu.
A Deus do céu pedi milagre
para o desengano, amor para todo ano,
para dar e vender.
O que há de ser
de outras palavras sem amor?
Da dor que ainda sentia
pronunciou um gemido,
dois, três... ai, ai, ai.
Era incômoda a tal dor,
mas legítima do viver.
Sem querer me estranhou,
abriu os olhos, levantou.
Que fazia ela enredada
por um homem estranho?
Usei de pretérito mais-que-tacanho
para tentar prover argumento.
Não consegui e ainda quase apanho!
Demoveu-se rápido
farfalhando impropérios.
Era esperado e aceitável.
Segui pela rua de caso estudado.
Haveria de ter amor
para o salvamento em outras poças,
ou talvez na mesma.
A coragem está bem
e envia saudações.