Poema ao Pai

À você, que raramente escrevi

e que agora só lê os meus pensamentos,

jaz fragilizado em leito de morte,

indefeso como criança recém-nascida.

A vida é curta, mas o caminho é longo

para a eternidade, que se aproxima.

Os momentos que lhe restam,

escapam pelos seus dedos cansados,

ansiosos por outra mão

para lhe conduzir por novos caminhos.

Os olhos ainda vazam luz,

na última fronteira da esperança.

Mas estão opacos, vítreos,

suplicantes de algo

que não se consegue perceber,

se é de um desejo louco pela vida

ou do desespero da despedida

que não se finaliza.

Trêmulos de emoção oculta,

movem-se titubeantes, tênuamente,

enquanto uma lágrima escorre,

vagarosamente.

Quem vive, mal suspeita

como pode ser difícil e penosa

a última etapa da existência.

O rosto transfigurado

pela luta de cada momento,

revela ainda assim

profunda dignidade.

Seu maior conforto

é a consciência do dever cumprido.

Pai, despeço-me agora,

descansa finalmente,

preparemo-nos para brevemente

um novo encontro

em outra dimensão.

Brasília, 17 de agosto de 2003

Em memória de Luiz Pellizzaro (19/04/1917 - 17/08/2003)

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 18/04/2006
Reeditado em 16/07/2006
Código do texto: T141261