[Falsa Paisagem]

Bate seco o martelo do sapateiro

na velha sapataria de portas cerradas.

soa sem cor, sem alma, a sirene

do curtume fechado à beira da estrada.

O trem apita longamente na Estação

dos farrapos da minha memória.

Sopra o vento de agosto a dobrar os eucaliptos

que antes sombreavam a Ladeira da Saudade.

Espalham-se os cacos do globo do poste

que eu quebrei na praça que não há mais.

Soa alto o burburinho dos feirantes

no extinto Largo das feiras de domingo.

Urubus pousados na cumeeira do açougue

espiam-me, atentos, apontar o estilingue.

Violões em apaixonada serenata

plangem sob a janela da casa em ruínas.

Correm as águas turvas das enxurradas

pelas trilhas agora cobertas de asfalto.

Viajo por estas paisagens da memória

enquanto sonho as ruas onde caminho...

Impossível distinguir as partes falsas

daquelas que realmente aconteceram,

tudo que me resta, tudo que habita minha mente,

está para sempre distorcido pelo tempo:

sou testemunha da minha pequenez!

Viver foi uma sangria de esperanças,

foi uma experiência cabalmente inútil,

a existência não passou de recortes; sim,

recortes de instantes escapados, fanados —

e foram cinquenta anos a aprender isto!

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[Penas do Desterro, 25 de janeiro de 2009]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 25/01/2009
Reeditado em 09/07/2012
Código do texto: T1403670
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