(SEM TÍTULO I)

Vi a entrevista de um ator que, ao falar, lembrava filmes dublados. Seu rosto "original" também parecia estrangeiro. Todo ele dava a sensação de não ser real, antes, um personagem de seriado de televisão.

A segunda vez que o vi, ele andava pela rua como qualquer cidadão. Contudo, eu, que conhecia sua voz, sabia que era diferente das outras pessoas. Tratava-se de um dublador fora do serviço, andava como "ele mesmo" (no sentido pessoano).

Depois de alguns anos, passei a vê-lo com bastante freqüência. Ele havia mudado, estava mais magro, porém, aquela primeira imagem persistia. Este indivíduo era, de algum modo, o duplo de outros graças à voz que eu guardava na memória, e também dele mesmo porque havia envelhecido.

Somente ao vê-los simultaneamente, um passando ao lado do outro sem se olhar (não se conheciam), entendi que se tratava de duas pessoas diferentes. Por alguma razão eu havia incorporado um ao outro, criara uma terceira personagem.

Há décadas não vejo o dublador, embora sua voz continue presente na televisão. O segundo atravessa de vez em quando o meu caminho. Sua presença enganosa me incomoda: cada vez que o vejo sinto a ausência do outro como um homicídio.