Dissolução

Mas ele deixou-me sentada e só, onde disse que estaria. A cada movimento dos ponteiros do relógio era atingida por minha insignificância. Havia visto as pessoas que felizes passavam ao redor de mim, e cogitei remotamente a possibilidade de falar-lhes, apenas para ter alguma companhia. E, no entanto, não me importava outra companhia uma vez que o esperava. Jamais o deixaria sem notícias, pois o prezo e não lhe causaria aflição ou mágoa deliberadamente. Ao passo que a ele, eu não parecia ter importância. Era possível abrir mão de mim em qualquer tempo, sem aviso prévio ou posterior. O mundo girava tranquilamente a sua volta incessante comigo irremediavelmente presa em sua rotação e distante dos outros seres. Parecia um castigo por amá-los. Jogavam-me de volta ao abismo oco do qual viera.

Um silêncio sepulcral jazia entre mim e os ruídos urbanos. Não importava mais nada - talvez fosse justamente o seu objetivo, tirar de mim as perspectivas e lançar-me na vastidão do não sentido. Era duro perceber que o mundo não significava, que eu não significava. Sopravam sobre mim com um baque a indiferença de minha existência. Arrancavam de mim a crença na necessidade de outros e da convivência e dos laços. Eu ligava-me às sombras daqueles a quem me desnudava. Restar-me-iam a solidão vazia, o monólogo sem eco, imagens desfocadas e sem nexo. Eu passaria pelo mundo sem deixar vestígios além da vaga lembrança de que alguém, um dia, tentou tornar as coisas reais de algum modo.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 22/01/2009
Reeditado em 05/03/2009
Código do texto: T1399273
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