POLLYANNA, A FELINA
A gatinha de primeira cria abre o ventre aos cinco gulosos chorões. Ainda de olhos fechados já focinhavam as tetas, empurrando-se. Cada um mais ávido do que o outro. Ganharam peso em uma semana.
Ela, maternal desde a fofa andadura, conduz delicada magreza e flácida barriguinha. Levanta o pescoço e ronrona, meneando a cabeça.
Dentre a ninhada, alguns se revolvem, ronronam, outros tamborilam, desajeitados, num emaranhado de cores, esbugalhados olhos, pelos enrodilhando-se, patinhas em doido remoinho e, súbito, desabando aos bruscos movimentos procurando ajeitar famélicas bocas para sorver túrgidas tetas.
A delirante altanaria deste amor intuitivo denuncia o exercício entre miados estridentes e choros que retorcem de dó o espectador aflito com a inusitada luta pela sobrevivência.
Homens e bichos são diferentes por condutas, atos e fatos. No humano ser, o instinto se faz intenso, animal preconceituoso.
Macho, impotente à maternidade, intuo que a sarjeta marginal à pista de rodagem ou os monturos de lixo não são locais propícios para aninhar um recém-nascido. Mesmo que a imprensa, especialmente a televisiva, quase todos os dias, insista que mães infanto-juvenis depositam lá o resultado de suas aventuras.
E me exponho à reflexão de que talvez Charles Baudelaire tivesse razão, ainda que os poetas não queiram: amor também pode vir a ser uma “flor do mal”, especialmente quando não se tem forças para conquistar e manter o fluxo da vida e resistir à pública exposição das sequelas do semelhante e suas deletérias condutas.
Identicamente, na maioria dos animais, a maternidade possui a inexplicável linguagem dos amorosos delírios.
MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita em livro solo, 2023. Versão II, revisada. https://www.recantodasletras.com.br/escrivaninha/publicacoes/preview.php?idt=1393315