DOS PALCOS DA VIDA PARA A VIDA NOS PALCOS (AUTO-BIOGRÁFICO)
1962 / 1966, Jequié-Ba.
1962 / 1966, Jequié-Ba.
Eu gostava mesmo era de rock. Aquele rock entre o fim dos anos 50 e início dos 60. O ano da graça era 1962, eu tinha 14 anos e muito pouco tempo que fui morar em Jequié. Dias ou meses antes eu ouvia em Salvador um programa de música jovem na Rádio Cultura da Bahia, com um tal Almir Duarte, que para a época, era muita ‘paulera’ com participações de Waldir Serrão, que ficou conhecido como ‘Big Ben’ e Raulzito e seus Panteras, nada menos que o maravilhoso Raul Seixas. O programa tocava Elvis Presley, Neil Sedaka, Paul Anka, Bat Boone, The Platters, Bill Harley - Os Cometas com “Rock Around the Clock”, meus favoritos de plantão. Em Jequié, com muita interferência, questão de ondas de rádio, muitos ruídos, mas dava para acompanhar à distância, aqueles astros que ajudaram a mudar o mundo e o pensamento humano em termos de hábitos, costumes e irreverência, além dos irmãos Cely e Tony Campelo, Sérgio Murilo, Demétrius, Carlos Gonzaga, The Jets, meus ícones musicais do rock nacional. Tudo em nome de uma possível revolução musical, jovem e universal. Somente um ano depois os contatos imediatos de 1º grau com o fenômeno “The Beatles”, conseqüência dos movimentos encetados pelos primeiros acima citados. A Jovem Guarda, movimento brasileiro começava a ser parida, mas somente algum tempo depois veio povoar os meus gostos musicais.
Em Jequié, com um grupo de jovens de minha faixa etária, com alguma exceção, como certo Cauby, que desejava, assim como o astro homônimo, o Peixoto, se tornar, ser cantor popular e era bem mais velho que o restante do grupo. O sonho daquela galera era fundar um Clube do Rock com o fim de difundir o rock que nunca foi apenas um ritmo, mas todo um movimento revolucionário. Também um espaço para reunião, ensaios e aulas de dança, de audição de discos, então LP de vinil, bolachas sonoros e discutirmos as músicas, seus autores e intérpretes.
O grupo jovem resolveu, com o apoio dos pais que, garantiriam se necessário, algum insucesso da promoção, levar de Salvador, os artistas que apresentavam o tal programa de rock da Rádio Cultura da Bahia, a Jequié, e, tudo se organizou, de modo que, se fizesse a apresentação de um show, em que se venderam os ingressos antecipadamente, todos: lotação esgotada. A estrada de Salvador a Jequié, boa parte em obra de terraplanagem pró-asfaltamento era, portanto, de massapé, barrento e causador de atoleiros fantásticos quando chovia, deixou preso o carro que transportava o grupo de músicos, impedindo-os completamente de chegar ao destino traçado e a cumprir o compromisso assumido, de realizar a apresentação. Deu hora marcada e nada, 20 minutos depois e ninguém, 40, 60 minutos, 1 hora e ¹/² após, e o grupo resolveu explicar ao público, sob ruidosos: tá na hora! Meu dinheiro! Começa! Começa! O inexplicável: que os artistas tinham dado um a zero na gente, jogando areia no nosso caminhãozinho, do grupo e da platéia. Foi quando tivemos diversas idéias, de aguardar mais ¹/² hora, devolver o dinheiro, de aguardar notícias e adiar o evento pro dia seguinte, etc, etc, etc. Nada, o público exigiu que nós, os promotores déssemos o show. Que vexame! O que fazer?
Foi quando o padre Jairo (Deus sempre acode e manda um salva-vidas!), hoje bispo da Paróquia de Senhor do Bonfim, indicou a solução: mandou buscar no Salão Paroquial, que ficava no fundo do Cine Teatro Jequié, um baú repleto de roupas teatrais fedorentas, entre as quais, palhaços. Fui, por assim dizer, empurrado para o palco, debutando como ator e num verdadeiro trote cênico, fizeram-me contaminar com o vírus teatral o ´teatrandis loucus´, que sou portador até hoje e de carteirinha. Sem cenário, sem um texto, sequer um roteiro pra seguir, nem direito a ensaio. Ali na raça, apenas a cara melada e a coragem, além de indumentária de clown e um único adereço, um ‘cachimbão’ feito de cajá, um cajado, por conseguinte, que ia dos meus pés até a cintura, cerca de 50 centímetros e um parceiro tão atoleimado e sem experiência, quanto eu, chamado Leônidas. De improviso fizemos os palhaços, eu criei e fiz Alegria, enquanto ele fez Tristeza, com as personalidades trocadas: Alegria era triste, Tristeza, alegre, sem nos darmos conta de que representávamos os símbolos máximos da comédia e da tragédia, “o que ri e o que chora”, signos do drama e ironicamente representando a vida, que prega peças em toda humanidade. Fomos vistos e aplaudidos e impressionamos tanto que fomos convidados por certo diretor teatral chamado, cujo nome eu não recordo para compor o elenco daquela que foi a minha primeira peça teatral “O Boi e o Burro no Caminho de Belém”, da genial Maria Clara Machado. Nunca mais abandonei o palco. Leo ficou traumatizado e não aceitou o convite. Eu segui em frente até os dias atuais, 46 anos como artista de teatro tendo participado de cerca de 150 espetáculos, uma formatura na Universidade Federal da Bahia como Diretor Teatral e por aí vai.
DE ONDE, A VERVE?
Mas antes, muito antes, criança ainda, bem mais inocente acerca do que era teatro, platéia, aplauso, crítica, já descobrira meus talentos. Morávamos em família na Rua Joaquim da Maia, uma ladeira de pedras rudimentares que ligava e liga o Largo 2 de Julho, centro de Salvador, à Rua Democrata, uma espécie de avenidinha de contorno por onde se chegava da cidade alta à baixa, entre o Largo 2 de Julho e a Conceição da Praia. Era um prédio mais velho do que antigo, de arquitetura equivocada e sem estilo, mais ou menos quatro andares, contando com o térreo e havia um quintal lateral com um muro baixo, mas cercado com gradil de ferro e chumbo torneado. O quintal era importante, pois eu digo que tive lastro, conquanto um quintal na infância para curtir brincadeiras e muitas experiências de criança sadia, eu, minhas duas irmãs Dida e Márcia, um pouco mais velhas que eu, além de outras crianças da rua. Ali naquele quintal tive o meu primeiro palco. Era um banco de tijolos, recoberto de cimento liso, que parecia uma marquesa. Gugu, irmão mais velho, estudava medicina e era professor no Colégio São Bento. Com o dinheiro das aulas comprava discos 78 rotações – era o que existia e tínhamos em casa uma vitrola que ficava próxima a uma das janelas da casa que dava para o quintal e projetava som pra fora. A música dessa minha façanha era “Blue Moon” cantada totalmente em inglesa, não sei por quem. Aproveitava o dito banco do quintal, subia no mesmo e dublava, E quem disse que eu sabia sequer uma palavra nesse idioma? Então, eu dublava e dançava e pessoas que passavam na rua descendo a ladeira, paravam e me assistiam, e algumas vezes, juntava gente e até me aplaudia. Pude perceber o prazer caloroso e aconchegante daquelas palmas e creio definitivamente, descobri-me artista cênico.
Em Jequié, com um grupo de jovens de minha faixa etária, com alguma exceção, como certo Cauby, que desejava, assim como o astro homônimo, o Peixoto, se tornar, ser cantor popular e era bem mais velho que o restante do grupo. O sonho daquela galera era fundar um Clube do Rock com o fim de difundir o rock que nunca foi apenas um ritmo, mas todo um movimento revolucionário. Também um espaço para reunião, ensaios e aulas de dança, de audição de discos, então LP de vinil, bolachas sonoros e discutirmos as músicas, seus autores e intérpretes.
O grupo jovem resolveu, com o apoio dos pais que, garantiriam se necessário, algum insucesso da promoção, levar de Salvador, os artistas que apresentavam o tal programa de rock da Rádio Cultura da Bahia, a Jequié, e, tudo se organizou, de modo que, se fizesse a apresentação de um show, em que se venderam os ingressos antecipadamente, todos: lotação esgotada. A estrada de Salvador a Jequié, boa parte em obra de terraplanagem pró-asfaltamento era, portanto, de massapé, barrento e causador de atoleiros fantásticos quando chovia, deixou preso o carro que transportava o grupo de músicos, impedindo-os completamente de chegar ao destino traçado e a cumprir o compromisso assumido, de realizar a apresentação. Deu hora marcada e nada, 20 minutos depois e ninguém, 40, 60 minutos, 1 hora e ¹/² após, e o grupo resolveu explicar ao público, sob ruidosos: tá na hora! Meu dinheiro! Começa! Começa! O inexplicável: que os artistas tinham dado um a zero na gente, jogando areia no nosso caminhãozinho, do grupo e da platéia. Foi quando tivemos diversas idéias, de aguardar mais ¹/² hora, devolver o dinheiro, de aguardar notícias e adiar o evento pro dia seguinte, etc, etc, etc. Nada, o público exigiu que nós, os promotores déssemos o show. Que vexame! O que fazer?
Foi quando o padre Jairo (Deus sempre acode e manda um salva-vidas!), hoje bispo da Paróquia de Senhor do Bonfim, indicou a solução: mandou buscar no Salão Paroquial, que ficava no fundo do Cine Teatro Jequié, um baú repleto de roupas teatrais fedorentas, entre as quais, palhaços. Fui, por assim dizer, empurrado para o palco, debutando como ator e num verdadeiro trote cênico, fizeram-me contaminar com o vírus teatral o ´teatrandis loucus´, que sou portador até hoje e de carteirinha. Sem cenário, sem um texto, sequer um roteiro pra seguir, nem direito a ensaio. Ali na raça, apenas a cara melada e a coragem, além de indumentária de clown e um único adereço, um ‘cachimbão’ feito de cajá, um cajado, por conseguinte, que ia dos meus pés até a cintura, cerca de 50 centímetros e um parceiro tão atoleimado e sem experiência, quanto eu, chamado Leônidas. De improviso fizemos os palhaços, eu criei e fiz Alegria, enquanto ele fez Tristeza, com as personalidades trocadas: Alegria era triste, Tristeza, alegre, sem nos darmos conta de que representávamos os símbolos máximos da comédia e da tragédia, “o que ri e o que chora”, signos do drama e ironicamente representando a vida, que prega peças em toda humanidade. Fomos vistos e aplaudidos e impressionamos tanto que fomos convidados por certo diretor teatral chamado, cujo nome eu não recordo para compor o elenco daquela que foi a minha primeira peça teatral “O Boi e o Burro no Caminho de Belém”, da genial Maria Clara Machado. Nunca mais abandonei o palco. Leo ficou traumatizado e não aceitou o convite. Eu segui em frente até os dias atuais, 46 anos como artista de teatro tendo participado de cerca de 150 espetáculos, uma formatura na Universidade Federal da Bahia como Diretor Teatral e por aí vai.
DE ONDE, A VERVE?
Mas antes, muito antes, criança ainda, bem mais inocente acerca do que era teatro, platéia, aplauso, crítica, já descobrira meus talentos. Morávamos em família na Rua Joaquim da Maia, uma ladeira de pedras rudimentares que ligava e liga o Largo 2 de Julho, centro de Salvador, à Rua Democrata, uma espécie de avenidinha de contorno por onde se chegava da cidade alta à baixa, entre o Largo 2 de Julho e a Conceição da Praia. Era um prédio mais velho do que antigo, de arquitetura equivocada e sem estilo, mais ou menos quatro andares, contando com o térreo e havia um quintal lateral com um muro baixo, mas cercado com gradil de ferro e chumbo torneado. O quintal era importante, pois eu digo que tive lastro, conquanto um quintal na infância para curtir brincadeiras e muitas experiências de criança sadia, eu, minhas duas irmãs Dida e Márcia, um pouco mais velhas que eu, além de outras crianças da rua. Ali naquele quintal tive o meu primeiro palco. Era um banco de tijolos, recoberto de cimento liso, que parecia uma marquesa. Gugu, irmão mais velho, estudava medicina e era professor no Colégio São Bento. Com o dinheiro das aulas comprava discos 78 rotações – era o que existia e tínhamos em casa uma vitrola que ficava próxima a uma das janelas da casa que dava para o quintal e projetava som pra fora. A música dessa minha façanha era “Blue Moon” cantada totalmente em inglesa, não sei por quem. Aproveitava o dito banco do quintal, subia no mesmo e dublava, E quem disse que eu sabia sequer uma palavra nesse idioma? Então, eu dublava e dançava e pessoas que passavam na rua descendo a ladeira, paravam e me assistiam, e algumas vezes, juntava gente e até me aplaudia. Pude perceber o prazer caloroso e aconchegante daquelas palmas e creio definitivamente, descobri-me artista cênico.