Um pouco de minha vida passada
Coloquei-me a cismar sobre minha vida passada. Vieram-me fragmentos facetados na nostalgia. Estranha a calma que se apossou de mim, e falar de um deles, tornou-se difícil. Mas...
Houve uma época em que fui uma criança sapeca, moleca e, acima de tudo, mimada. Nascida na menopausa da minha mãe cresci junto aos sobrinhos. A felicidade era latente em nossas veias e as travessuras também.
Certo dia resolve brincar de navegadores, meus irmãos usaram tábuas, pregos, cordas de bacalhau, para a montagem de nossa embarcação.
Num córrego, que cortava o quintal de nossa casa, colocamos em prática nossa aventura. Meus irmãos José e Lucia e sua amiga Daça queriam conquistar novas terras, que se resumiam em descer pelas águas do riacho que iam de encontro com as terras do senhor Albano e que moviam o moinho de sua fazenda.
Eu e Mazinho, irmão da Daça, éramos os menores da turma, portanto, os novos exploradores da fantástica viagem.
Dentro da embarcação improvisada, a postos, seguro pelas cordas dos traquinas maiores, começava uma aventura real, quando as cordas, rotas, não suportaram a dança frenética das águas nas pedras, meros obstáculos do seu caminho, ruíram.
De longe, ouviam-se os gritos dos meninos que corriam à margem, em cima do barranco.
Mazinho e eu, nem abalados ficamos e estávamos adorando a brincadeira até que deparei com a ponte da Boa União, por cima de nossas cabeças.
Naquele trecho, o córrego se tornava perigoso pelas corredeiras, que faziam as águas tomarem forças para girar a grande roda do moinho. Meu Deus! Ficaríamos esmiuçados, triturados, como o milho para se tornar fubá!
Começamos a gritar por socorro. Mazinho com suas bochechas ruborizadas parecia um boneco de celulose, só que, estupefato! O desespero tomou proporção ao ver as pessoas se aglomerando no gradil da ponte, acenando o perigo eminente. Fechei os olhos e, num átimo, surge o meu herói para nos salvar: meu pai!
Sequer pensei no castigo que viria depois, tal era o alívio de estar fora daquela aventura, louca e, ao mesmo tempo, maravilhosa...
Tive pena dos meus irmãos que sofreram punições piores do que a minha. Tinha a meu favor: a idade, a inocência, e ser a filha caçula...