A VIDA QUE NÃO ERA DELE...
Sereno, senhor de si, abriu os olhos
Comungou honesto sua oração...
Em seguida saltou da cama feito raio
Sem mesmo por na boca café ou pão
Vestiu-se rápido. Sapato, calça e camisão
E já enfurnou-se ao caminho do trabalho...
Ali, como todo dia, perdeu-se totalmente...
Agora era mais parecido com uma máquina
Um sincronizado e pálido trabalhador sem "eu"
Aqueles seus olhos, se bem analisados
Perceberia-se que nem seriam, em verdade, seus...
Ele falava, reagia, animava, contemporizava
Sua compreensão tudo automaticamente deduzia
Mas inteiramente por sua conta própria
Nada existia de qualquer comando consciente dele...
Ao intervalo do almoço poderia facilmente ser visto
Como se estivesse mesmo lá... Estava rindo,
Ouvindo relaxado velhas piadas em bando, no banco
Ainda ali havia algo de alegria, algo nele que reagia
Mas ele mesmo... Difícil acreditar! Nem ali estava...
Só foi achar-se de novo apenas lá ao final do dia
Surpreendentemente percebido de que nada reconhecia
Das paragens que a janela mostrava
Pois simplesmente pegara o ônibus errado...
Mas, por fim, graças a este erro, se reencontrara!
A estranheza dos lugares tocou-lhe as trombetas da vida
Perguntou-se então onde estivera todo aquele tempo...
E então, escandalizado, lembrou-se, lembrou-se!
De toda aquela vida fútil, vazia que nunca fora dele...