Tempestade e Chuva
(A "Tempestade" foi a minha visão de um determinado momento e a "Chuva" foi a visão da minha irmã Jussara de um momento parecido)
A Tempestade
O vento soprava forte, vergando o abacateiro que resistia bravamente, e eu -maravilhado com aquela força estranha que levantava as folhas, poeiras e papéis esparramados pela rua e pela calçada- observava de olhos estatelados, quando os primeiros raios começaram a cair, trazendo consigo aquela tempestade que parecia lavar a minha alma de todas as tristezas e angústias que os garotos sentem, mas não conseguem identificá-las com clareza.
E a tempestade caia -torrencialmente- aumentando a sua força a cada raio que lhe acompanhava na descida, trazendo lembranças não sei do quê, não sei de quem, nem mesmo sei se lembranças eram; se pressentimentos ou se medos. Mas o que eu sabia, com certeza, era o tanto que aquilo me fascinava e me fazia bem; deixando-me mais leve, deixando-me mais limpo, renovando-me, inexplicavelmente. Ela, a tempestade furiosa, inclemente com as arvores, com os telhados e com os vidros das janelas que gemiam com as suas lambadas; deixava-me atônito, entregue àquela emoção primária embutida na tormenta, e que talvez fosse a mesma que existia dentro de mim, sem que eu soubesse...
Do alpendre, eu, com pouco mais de seis anos, olhava tudo aquilo extasiado, e, apesar dos perigos de estar ali tão à mercê da violenta chuva, sentia-me -misteriosamente- reconfortado pela existência daquela força bruta que me conquistava mais e mais...
CHUVA
Eu sempre amei aqueles dias em que a chuva ia chegando devagarinho , e sem mais nem menos, sem aviso ou pedido, desabava por sobre os muros, as casas, as árvores, o chão de paralelepípedo, as flores do jardim, as casinhas que eu divisava de longe. Eu gostava do corre, corre pra fechar as portas e janelas que batiam pela casa toda, deixando entrar as vezes tanta água que mal podíamos acreditar.
A sensação de proteção vinha acompanhada de alguma apreensão, pela força do vento que assobiava e balançava a mangueira, a goiabeira e o abacateiro do outro lado da rua.
Na outra ponta da casa, que de tão comprida dava pra brincar de corrida, colocávamos panelas para recolher as pedrinhas de gelo que tilintavam e iam se acumulando ali, para nosso encanto e expectativa do momento de recolhê-las e chupá-las. Eram como dádivas dos céus, vinham carregadas de algo que eu não sabia o que era, mas que eu considerava sagrado.
E então, a chuva ia se acalmando, como a gente depois de uma explosão de ira, ia se amansando, amansando e eu via a atmosfera toda verde, a luz do dia se esverdeava. Por mais que eu mostrasse essa luz ninguém a via ou ninguém lhe dava atenção, diziam que era besteira minha. Mas hoje ainda a vejo na cidade grande, muito, muito raramente, não como na minha infância quando eu ficava extasiada diante daquela luz milagrosa.
JUSSARA ENGEL MACEDO