A perda reverência e a vitória da banalização na vida atual.
Na tela colorida uma bunda se sacode em close colossal. Entre um requebro e outro, um gemido e um acorde se vê o corpo feminino que se contorce. A seqüência se repete até ser substituída pela notícia de um tiroteio, um carro que capota, um bebê achado no lixo, um assalto a um banco, outro escândalo financeiro. Um atropelamento. Uma criança morta pela mãe ou pelo pai. Um cão que arranca os olhos de um anão.
Tudo passa e nada fica e de novo vem a repetição. Entre brilho de olhos e batom colorido os manequins quase gente balbuciam sabedorias inquestionáveis. Tecem loas ao nada e riem com seus dentes de plástico que parecem de verdade.
Na rua um menino pede um trocado para comer. Um carro avança o sinal. Um tiro espoca ao lado enquanto alguém tropeça no lixo vendo passar uma bunda de minissaia com cabelos que esvoaçam. Numa loja um pregão qualquer. Alguém que ficou preso na porta de um banco, pois portava uma bolsa de moedas de metal. Uma granada explodindo. Um carro corre. Uma velha sem perna se espanta com a cor crua de uma perua evangélica que passa saracoteando. Jornais, revistas, bundas, peitos, lixo, mendigos adormecidos na luz nua do sol. O transbordar incessante de um esgoto aqui, outro ali. Um berro, uma buzina. Não há espanto no ar. É normal mais um atropelado por um carro com pressa q ue avança o sinal. A vítima de ontem deu lugar a de hoje enquanto se prepara a de amanhã. Há sinais de chuva e de vento. Dentro de cada apartamento o grunhir anuncia que a novela recomeçou. Um casal troca juras de ser feliz para nunca ou até o dinheiro acabar.
Lá embaixo na rua passa uma gente de cor fuligem e fedida pedindo para viver mais um dia. Atravancando o fluxo do trânsito. Entupindo os caminhos e as calçadas com seus corpos sem programação visual. Lá no mais alto do alto o sol rola no azul do céu e por vezes brinca de esconde atrás de alguma nuvem, por vezes cinza, por vezes branca ou de uma cor modificada não quimicamente. Um pássaro desconhecido voa. E o sol vai planando e mudando as cores e as sombras até se ocultar onde ninguém sabe e nem se dá conta em perguntar.
E depois que o sol ultrapassa o mínimo limite de nossos olhares o negrume da noite mal iluminada pela espectral luz de neón das lâmpadas e das telas faz um leve convite par a inocência da lua que nem se lixa se a olham e continua a dançar.
Os bares se enchem e ela dança no céu. Uns se embriagam e ela dança no céu. As ruas esvaziam. E ela dança no céu. Os pés se apressam. E ela dança no céu. O medo urbano recolhe as últimas vítimas no canto dos seus lares, no canto de algum canto e a lua segue dançando até sumir e o sol voltar a brincar.
A turbulência da urbanidade torna a se debater no torvelinho incessante do mercado em que a vida humana é a mercadoria mais banal. A bunda de novo se sacode enquanto a reverência pelo tênue milagre da existência escorre por algum ralo.
Paulo Luna