Anhatomirim
O sol queima o rosto,
como a chuva seca a alma.
Por companheira a lembrança,
a solidão, a dor da despedida,
e a visão restrita de uma ilha,
perdida na imensidão do atlântico sul.
É uma masmorra medieval,
moça ainda no tempo de sua existência.
Nas paredes espessas daquela prisão,
redigidas foram algumas preces,
repetidas aos mesmos santos,
em memória e no olhar vazio.
De súbito é uma torrente de ar,
que atrofia e faz o prisioneiro emudecer.
E é a paciência que comprime o tempo,
e não compreende sua resistência.
Ele quer voar, sair pelos poros dos muros,
através dos canhões, risos e baionetas.
As grades da prisão,
atravessam os olhos do prisioneiro,
junto ao bramido do vento,
que ao entrar sereno, pelos gradis,
recordam tempos imemoriais,
de uma terra sem males e fuzis.
Cantam, os ventos, palavras índias,
Herança Jê e Guarani,
provindas das cantigas e dos falares
das memórias e dos sonhos,
arremessados ao ar,
da Ilha do Arvoredo ao mar.
É quando os laços que sem dó,
e em nós, buscam artifícios,
entre as preces e as vozes dos capitães,
é que o respirar se torna o impulso da fuga,
atrofiando o último suspiro,
levando a alma pelos olhos.
Ao longe, amalgamados, entre as fardas,
as ordens, os ritos, o marulhar das ondas,
os ganidos de Anha e de qualquer bandido,
disparam também os tiros,
comendo a ferrugem e a carne,
descansando, em liberdade, o prisioneiro.
Numa paragem longínqua,
perdida na imensidão do atlântico sul,
num esquecimento e absoluto silêncio,
ficou para trás a ilha e a maldição de anha.
Porque a alma viajou serena,
misturou-se ao azul e infinito do mar.
(*) Anha em tupiguarani significa “Diabo”. O nome Anhatomirim significa “Pequena Toca do Diabo” e fora dado a Ilha, pelos padres jesuítas, que não conseguiram cativar os Guarani, e ao mesmo tempo, interpretando o tupiguarani como língua pagã e demoníaca empregaram a Ilha – local de beleza e refúgio dos Guarani – um nome que lembraria um espírito mal que fazia um barulho temerário aos brancos. O barulho, em verdade, era apenas as ondas do mar batendo na vegetação costeira, e com ajuda do vento. Escrevi esta poesia quando de minha estada na ilha em janeiro de 2006. Ao atravessar o pórtico de entrada, num estilo copiado dos chineses, e numa escadaria de mármore português, lembrei o verso de Mario Quintana cujo título é “A Porta”: “Quem atravessa a porta da única parede de uma casa em ruínas é como se passasse para o Outro Mundo”. Na ilha está edificada a Fortaleza de Santa Cruz (1739) – restaurada pela Universidade Federal de Santa Catarina através do Projeto Fortalezas. Santa Cruz era parte do plano militar do Brigadeiro Silva Paes que mandou construir outros fortes como o de Santo Antonio (Ratones Grande); São José (Ponta Grossa); e Nossa Senhora da Conceição (Barra do Sul).