Moinho
Moinho
Há uma relíquia dentro de mim
que papel nenhum revela.
No entanto, quanto me esforço
para ser transparente, e só existe a violência
em meus atos (relatos?).
E que importa que pense em bonitas imagens?
Um moinho sereno, com pessoas serenas.
Mas que farinha mágica tenho feito?
Não é desconhecido o meu secreto ofício?
Qual o mendigo que discutiu filosofia comigo?
Que louco advogado defendeu-me
perante o padre blasfemador de minha cidade?
Em que valeta escura eu joguei a piedade,
que já e nojenta aos meus olhos?
Quantas fezes eu troquei as palavras
para faze-los rir?
Até um bispo todo de vermelho
eu vi numa igreja,
e quando ele sentou-se no trono
e nada falou, eu não pude ouvi-lo.
A rua lá fora
está cheia de jacarés.
Já é madrugada
e nem consegui sonhar.
Por isso eu venho aqui
e tento relatar-me.
Há uma ventania e um moinho
que gira dentro de mim.
Mas como compreender que,
apesar de tudo isso ser mentiroso,
eu tenha que dizê-lo?
Tudo roda: o grão, a pedra.
Isso é o que escuto
na canção do galo.
Mas e se ele também
estiver mentindo?
Tudo sempre acaba assim.
Pra que isso, Marta?
Pra que?