Moinho

Moinho

Há uma relíquia dentro de mim

que papel nenhum revela.

No entanto, quanto me esforço

para ser transparente, e só existe a violência

em meus atos (relatos?).

E que importa que pense em bonitas imagens?

Um moinho sereno, com pessoas serenas.

Mas que farinha mágica tenho feito?

Não é desconhecido o meu secreto ofício?

Qual o mendigo que discutiu filosofia comigo?

Que louco advogado defendeu-me

perante o padre blasfemador de minha cidade?

Em que valeta escura eu joguei a piedade,

que já e nojenta aos meus olhos?

Quantas fezes eu troquei as palavras

para faze-los rir?

Até um bispo todo de vermelho

eu vi numa igreja,

e quando ele sentou-se no trono

e nada falou, eu não pude ouvi-lo.

A rua lá fora

está cheia de jacarés.

Já é madrugada

e nem consegui sonhar.

Por isso eu venho aqui

e tento relatar-me.

Há uma ventania e um moinho

que gira dentro de mim.

Mas como compreender que,

apesar de tudo isso ser mentiroso,

eu tenha que dizê-lo?

Tudo roda: o grão, a pedra.

Isso é o que escuto

na canção do galo.

Mas e se ele também

estiver mentindo?

Tudo sempre acaba assim.

Pra que isso, Marta?

Pra que?

César Piscis
Enviado por César Piscis em 26/12/2008
Código do texto: T1353033
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