Avidez

Raios de sol começavam a dar sinais ainda tímidos e o homem bruto já despertava. Num olhar ao relógio e pulava nas roupas jogadas ao canto do quarto. E cabelos, meias, sapatos e cardaços, cinto, pão, dentes, o dinheiro. Corria. No seu ligeiro correr adentrava no transtorno matinal aguardado, com seus transportes repletos de seres e respirações ofegantes. Algumas vozes, principalmente em sua cabeça. O tempo ardia em ansiedade.

Na carruagem do dia, logo se iniciava seu maior prazer inconsciente: observar as faces desconhecidas. Diziam tanto, diziam nada. Mas como eram sublimes aquelas caras com o ar de sala de espera.

O dia seguia naquele ritmo já devido. Sentia fome, dores, sentia coisas que não sabia o nome. Sentia acostumado.

Tudo era veloz e impessoal. O que lhe parecia é que ninguém na verdade precisava dele, mas ele estava ali, permanecia de pé. Sem nem se quer dar conta, estava vivo. A vida humana se lhe batia forte no peito frágil.

E era no decair do furor diário que se instaurava a insegurança. A hora vazia trazia para dentro da alma a delícia e o perigo do ócio. Como tudo poderia ser simplesmente assim? E, como num impulso magnético, o seu redor foi feito de uma aura de sensações e vibrava com desejos ocultos. A porcelana dura se tornou em matéria perecível. Ventos palpáveis, concreto que se derrete. O dia deixou de ser composto por horas contadas...

Olhou, como se desde que nascera nunca tivesse aberto os olhos. Sentou-se, cambaleante que estava, no seu desvaneio de homem que tenta enxergar o que não lhe cabe. Voava em quietude. Contudo, figurava estar destinado a nunca entender, sentenciado a se resumir só à existência. Quis fugir de si mesmo. Como gostaria de jamais ter atravessado a porta dos ditos loucos, a porta confusa dos escapistas!

Puxou, então, forte o ar para os pulmões e tomou seu rumo comum. Mas agora a normalidade era esfaqueada com uma paz estranha, que o seguia onde quer que fosse. Disfarçava, mas sentia um abraço. Amava.