Romper as Amarras

         
Os sonhos que sonhamos, desde os mais puros e simples aos mais ousados ou impetuosos, os anos vão destruindo, um a um, e com eles, a nossa fé, a nossa crença e até mesmo as nossas esperanças. Então, ao final da jornada, quando nos olhamos, num olhar introspectivo, ou volvemos para trás o nosso olhar, constatamos que o que resta de nós é quase nada e se resume num monte de saudades, trapos de um tênue e débil desejo de buscar uma felicidade na qual já não cremos e nem esperamos alcançar. E, quando já não há crenças e esperanças e nem se sonha mais, o amor cresta e resvala, perigosamente, no fosso da indiferença e do desamor. Começa, então, a nascer e a tomar vulto no coração e na alma da gente aquela vontade de romper as amarras ou quebrar os elos que nos prendem ao passado e a tudo que nos cercam para sairmos por aí, sem rumo certo, em busca de nada, talvez, ou a procura de nós mesmos, numa solidão muito grande e profunda, levando conosco esse vazio imenso que mora na alma dos desesperançados e descrentes.
          Como deve ser difícil romper as amarras!... Quebrar os elos que nos prendem, durante tantos anos, a pessoas, cousas e fatos... Sair sozinho por aí, carregando o fardo imenso das nossas recordações e a frieza dos que vivem sós, embora ao lado de outros que nada dizem ou que nada contam em nossa vida.
          Mas, a solidão para os que amam, é um lenitivo. Há muita beleza e muito amor no marulhar das águas; no primitivo calor duma choupana, onde as ambições se encolhem e as necessidades se reduzem, enquanto o amor, de roupagem nova, nos mostra ângulos diferentes e formas diversas de se amar, com simplicidade e muito mais pureza. Teremos a compensação dos que vivem sós, sem satisfações a dar, sem mendigar compreensão e não a receber nunca. Andar com passadas incertas, sem norte, sem objetivo, sem ambições, convivendo com pessoas que nada sabem da gente. Viver no mais completo anonimato, sem peias, livre como pássaro que corta o espaço azul, ou como o rio que rola até se afogar no oceano...
          E, quando a saudade chegar e a tristeza debruçar-se, pesadamente, sobre nós, levemos esse estado de espírito para um pedaço de papel, em forma de poema, ou a afoguemos, sem dó, num copo de bebida. 



                                              Setembro de 1975.
Antonio Lycério Pompeo de Barros
Enviado por Antonio Lycério Pompeo de Barros em 21/12/2008
Reeditado em 30/03/2009
Código do texto: T1346378
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