[Das Minhas Essências]

Tenho em meus olhos

a visão das gentes simples,

de uma qualquer rua em que vivi,

ou vindas de todos lugares do meu país:

a vendedora de sabão de bola,

o rachador de lenha de déu em déu;

o sapateiro ambulante;

o amolador de facas;

o turco mascate vendedor de armarinhos;

o engraxate na saída da cidade;

o vaqueiro entrando nas Casas Pernambucanas;

a ledora de sorte;

o homem do mel de jataí;

o homem das rapaduras;

o raizeiro para todos os males;

o vendedor de quebra-queixo;

o homem carregando o pau-de-frangos;

a viúva costureira e quintandeira;

... os brasileiros, brasileiros como eu.

Gente simples, de línguagem simples,

de sabedoria resumida sim, mas bastante

para levarem a vida sem desespero, sem depressão.

Vi esse mundo de perto; sobretudo,

vivi minha infância neste mundo...

Aos poucos, e na razão contrária

do evoluir dos meus estudos,

dele me afastei progressivamente,

mas de tudo guardando sempre a memória,

e mais ainda nos disparos da saudade,

quando estive longe do meu país!

Hoje, entro num centro de compras

sofisticado, posso comprar e pagar,

olho em volta, e na combustão de um instante,

eu me lembro de tudo... e constato que as pessoas

deste universo de esquecimentos primordiais,

eu entre elas, são todas pasteurizadas —

entre vitrais e espelhos, cheiram bem, vestem-se bem,

parece até que defecam perfumado,

e que, se morrerem, não vão feder...

pois pasteurizam também a morte!

Menino que cedo na vida

pisou em estrume fresco do gado,

vendeu areia e esterco de porta em porta,

engraxou sapatos nas ladeiras de Minas,

escutou as batidas da pobreza na porta da rua,

viveu a miséria de três panelas no fogão de lenha;

teve febres e dores curadas com ervas do quintal,

— será que eu me pasteurizei também?! Será?

Não... eu não! Eu tenho os olhos cheios do que vivi,

e trago a morte no olhar, na boca, nas mãos,

sei que cada homem tem a morte que lhe cabe ter.

não me repugnam o cheiro e os jeitos das gentes simples,

Apenas me remetem às origens mais essenciais...

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[Penas do Desterro, 19 de dezembro de 2008]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 19/12/2008
Reeditado em 22/04/2012
Código do texto: T1344254
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