Sede

“E também as dores são tantas.

São de todos. De todos são os infindáveis mistérios.

E as angústias, e as dúvidas, e tantos temores.

Viver é uma vez só.

E uma vez só basta?

Uma vez só conta?

É assim. É assim?

Assim, que por caminhos difusos, pelas sombras e ardores, a vida se colore. É assim que na encruzilhada amarga, cruzamos as dores.

Assim é na vida, nos amores, nos rancores.

As pálidas sombras. As pálidas flores.

O impulso vital. O destino, o joio, o instinto.

O eu-animal. Rosnando bravio pelo que não se pode.

Pelo que não se pode? O que não se pode?

O infinito é o eu se refazendo a cada instante.

O perverso é a repetição.

Esse cinza incessante.

Ontem-hoje e além.

Tudo como sempre.

Viver é rearranjo. Reconstrução. Subversão da alma.

Do espírito. Da carne.

O risco e o preço. A leveza. O vento.

O peso é o que cansa. Asfixia. Mata di-a-ri-a-men-te.

O outro lado é a cor. A cor e o que se paga por ela. O custo.

Do lado de lá arco-íris cinza. E a mornidez, o sossego.

Por que venho aqui?

Cantar o que sou? Cantar a sede que me reina?

Se quanto mais canto, mais sede sou?

E não há nada de estranho.

E não há nada que não se possa.

Que não cabe ou que não se possa perdoar.

Ai que viver é ir se refazendo em trilhas.

Chorando milhas. Pedindo tréguas. Arrebatando mágoas.

Colorir a pauta que se faz pouca. E tanta.

E de que tinta somos? Aves de outrora, de amanhã, de então.

De que nunca antes, de que tarde quanto? O risco arisco que nos persegue. A presa afoita que nos anima.

A isca solta que nos atiça a sanha.

Regadas de sóis dourados e luas eternas, que essa sede é tanta.

Que essa sede arde. Que essa fibra chora.

Se amanhã já não se sabe. Se amanhã já não se tem.

É só o hoje o que resta. É só agora o que sou.

O presente é minha veste.”

Dani Santos
Enviado por Dani Santos em 19/12/2008
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