Só hoje
Queria caminhar com teus pés, chegar a lugares que nem ousaria ir com os meus. Tocar o intocável, espiar o insondável. Com asas de anjo sonho em voar.
Só hoje.
Seja o mestre dos meus desejos. Faça um vaso com aquelas tristes rosas murchas. Apague a flâmula do candelabro solitário. Há beleza em tudo – teus olhos é que distinguem se mais ou menos belo é aquilo que penetra na retina dos olhos amargos.
Meu olhar bola de cristal penetra nas fibras da tua carne. Sente o frio do aconchego que empalidece a tez. Estilhaça tua cartilagem. Desasossega tuas entranhas vis.
Minha mente é um teatro sem significado, sem atores, só há cores que deságuam no mar das minhas idéias insanas, cheias de ganas, aflições, confusões, frustrações.
Só hoje.
Faça um pacto silencioso comigo antes que a paixão escorregue pelos meus dedos. Ninguém está em lugar nenhum e estamos em todos os lugares. É um grande paradoxo. Pensamento é pássaro solto, tem sabor, desconhece as grades, os limites, os palpites.
No mapa do meu mundinho, os dias são prateados, as folhas são vivas, as dores são indolores, os sonhos são multicores.
No papel amassado marco encontro com a poesia, corro trecho com alegria, vagueando ao longo do rio em violetas cintilantes. Sinto frio, cheiro de frutas, de verde, de azul, de lilás. Inspiração perpetua me deixa nua na tarde tua. Tira-me a paz.
Nesse momento, olho lá fora, o universo é pequeno, é miragem que envolve a paisagem. A quietude amedronta, fico tonta, me esgoto em suores dessa louca divagação, sinto saudade daquilo que está por vir e daquilo que não senti. Olho nós dois, o retrato é só uma pausa. Um instante do infinito pretérito.
Só hoje.
Quero apenas acalmar tua pressa, falar ao teu ouvido aquilo que me resta. Nem sei a medida da paixão, mas o amor é distraído chega e vai meio perdido, tão calado, escaldado, malogrado, que perdição.
Só hoje.
Quero expulsar o medo de morrer vazio meu coração. Ter uma crença nesse amor desleal. Escolher entre o bem e o mal. Seguir no juízo do vento que sopra a meu favor. Quero viver diferente, ser ilógica, ser demente, incoerente, misturar nossas sementes, sair do absurdo – beber um outro mundo.
Me dá tua palavra que me empresta os teus pés pra eu voar, só pra ver se eu consigo este devaneio nunca terminar.