Língua líquida
Maria da Graça
Língua líquida
A líquida língua vaza!
Infiltra-se entre os dentes,
rompe os limites dos lábios,
gotejando boca afora
ou entornando livremente...
Não há fronteira que a reprima,
não há limite que a contenha.
O dono da língua líquida
possui ouvidos alados
que saem pelas orelhas,
lúcidos ou atordoados,
diretos ou de qualquer maneira
e, colhendo informações,
voam pra todo lado!
Temo essa língua por ela,
pelos ouvidos que a acompanham
e por todos ouvidos alheios
nos quais chega, sem medo,
a relevar os segredos.
Se uma dessas, liquefeitas,
vem molhar-me os ouvidos,
afasto-a rapidamente,
secando depressa o líquido,
temendo que tal proximidade,
impune, contamine-me a língua
e que por momentos, instantes
ou pelo restante da vida,
liquefaça-a abundante, infame
larga, solta e incontida...