Diálogo

Num Outono qualquer, confessado ao nevoeiro o riso purpúreo de uma noite, Irlanda na altura do vento, entre os campos verdes de uma atmosfera álgida, películas num relâmpago até Galway onde o mar se adivinha muito antes. Outra noite. Outra noite mais para norte e fecho os olhos para sentir sentir, sentir as hélices da solidão consumir o ar, aponto os dedos na direcção exacta de um rumo, chegar antes das árvores à esplêndida escuridão dos bosques.

Escrever. O meu diálogo. Nunca estive aqui, um lugar análogo a um outro lugar, os traços sobre o areal ou a melancolia rolando a espuma na brevidade da alma. O que é a alma, um sopro da voz pela memória que passa, ali as lâmpadas atentas sobre a marginal e dirijo os passos a uma hora profunda, o que falta viver num regresso aos instantes únicos. Do porto partem os mastros como um olhar ao esquecimento, tenho o bilhete imaculado no bolso, ir na viagem com a névoa inflamada sob as artérias.

Abro as cortinas à luz que ronda a noite, diluo o destino ou o meu diálogo, querer viver para sempre, esta denúncia à partida me leva num voo à entrada das ondas pelo cais. Pergunto as horas aos oficiais do quotidiano, a voz de quem não volta a repetir o tempo, é assim num Outono qualquer quando a neblina confunde todos os corpos e já não sabemos, não sabemos a escolha da viagem, vamos pelas veredas compor a certeza do que não virá. Chegar antes das aves à tempestade da noite, ao diálogo de outro lugar.