[Da Aridez das Coisas Discretas]
[Palavras esmoídas na aridez das pedras]
Desconfio das coisas discretas:
até um número isolado na reta real
haverá sempre de ter uma pele,
um fina pele que sugere vizinhos...
Desconfio de saltos quânticos:
sou uma criatura sentiente
da luz variante dos amanheceres
e da suavidade fria da brisa das tardes...
Desconfio do amor de uma nota só:
quem ama um, bem pode amar outro,
a pele que separa a outra do outro
é apenas uma fina camada de ousadia!
Desconfio da intensidade de uma paixão:
toda paixão é apenas a mais recente paixão,
somos seres vários — somos ansiedades
encerradas na temporalidade de um saco amniótico...
Desconfio do bater do meu coração:
bate como louco por tantas coisas,
mas acelera-se de susto ou de medo —
o Fim será um número inteiro de batidas...
Sofro a angústia dos instantes:
cansei de ouvir que são únicos,
cansei de situar fatos em datas,
aprendi que toda espera é fútil...
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[Penas do Desterro, 11 de dezembro de 2008]