Devaneios

          Há dias, ao olhar para a folhinha, que marcava 17/12/1959, veio-me à lembrança aquele longínquo 17/12/1946, quando transpus os umbrais do Banco do Brasil, na qualidade de funcionário da casa. 
          Naquele dia inolvidável viveu minh’alma as horas mais trepidantes de sua existência emocional.
          Ali, a par dessa alegria incontida que sentimos após a vitória duramente alcançada, estava o calor daquela nova batalha travada no campo das ciências contábeis, por um pugilo de moços aos quais eu, também moço ainda, iria juntar-me a partir daquele dia.
          Luta hercúlea e bastante diferente da que eu havia até então empreendido, quer como militar-burocrata ou funcionário público, habituado a um trabalho calmo e paciente, contrastando com aquilo que me era dado experimentar naquele dia. 
          Confesso que temi não adaptar-me ao novo serviço a ser desenvolvido em tais circunstâncias.
          Mas, as almas fortes não se abatem facilmente. Lutam, sofrem e vencem, sempre, com a força do seu entusiasmo e de sua fé. Assim, venci, de frente, as primeiras dificuldades que são as mais difíceis de ser vencidas.
          Se é verdade haver-me habituado a um serviço daquele jaez, verdade é, também, que minh’alma tornou-se ainda mais sedenta de solidão e silêncio, buscando, talvez, num ambiente de paz e tranqüilidade, compensação às suas horas de luta e de vibração intensa.
          Assim, diariamente, reservo para ela alguns minutos de recolhimento e de profunda meditação para que se recomponha, busque e alcance a serenidade e o equilíbrio que, por vezes, nos faltam, tornando-nos injustos e menos humanos.
          Faço, pois, um balanço diário das minhas ações, cujo saldo nem sempre me é favorável. Penitencio-me, assim, dos meus erros, reconhecendo-os para deles me redimir, procurando acertar sempre.
          Aos domingos e feriados fujo, desesperadamente, do convívio dos homens, cansado do artificialismo das cidades, onde imperam as pseudas grandezas, a mentira e o ódio, para, então, conduzir minh’alma por caminhos opostos, onde, apenas existam a simplicidade das colinas e das flores silvestres; a quietude enternecedora das águas; a verdade e o amor que nos vêm de Deus, através da linguagem muda da natureza.
          Pela manhã, antes de partir, consulto, com o olhar voltado para o alto, se há nuvens no céu prenunciando chuva. Faço-o mais por embevecimento, porquanto se me arrasta a beleza estonteante de um céu limpo e imensamente azul, jamais a tristeza de um céu toldado de nuvens fez nascer em mim a indecisão ou o medo. Parto, invariavelmente, ainda que chova, rumo a um rio qualquer, onde possa, à fronde do arvoredo quedar-me maravilhado, perdido em meus pensamentos, a acompanhar o deslize tranqüilo das águas e a deixar que rolem com elas e se percam na imensidade infinita dos mares, os meus sofrimentos, as minhas dores, as minhas decepções e todas essas misérias humanas que nos aniquilam e que, por vezes, nos matam.

Abril de 1963.
Antonio Lycério Pompeo de Barros
Enviado por Antonio Lycério Pompeo de Barros em 13/12/2008
Reeditado em 01/04/2009
Código do texto: T1333102
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