Olheiras no elevador

Espera... Aperto mais uma vez agora com mais intensidade como se a força no dedo indicador fizesse com que ele chegasse mais rápido.

Terça feira, hora do almoço. As 7:30 da manhã o termómetro já marcava 28°.

Notícias de última hora revelam que a qualidade do ar piorou tanto que temos o índice equivalente ao de 2002. A chuva também, nem havíamos chegado em março onde as águas costumeira mente fecham o verão, e as enxurradas já fizeram sua estória mesmo no mês que que todos ainda estão de férias.

Eu continuo a esperar por ele... Que desce antes de subir. Finalmente ele encontra-se parado no andar em que estou, como diz o aviso fixado na parede, já com sete pessoas dentro.

Entro e a porta se fecha.

Agora, além da ausência de luz natural estou em um quadrado com ar forçado vindo das ventoinhas e no quadro digital informações desatualizadas de cada mundo paralelo de uma mesma corporação.

Ah, havia me esquecido do espelho. Lá tem um espelho que talvez esteja lá dentro para que nos lembremos quem somos.

Olhei para mim mesma tentando me esquivar dos outros tripulantes que estavam na minha frente. Posso dizer que é bem difícil me encontrar no quadrado, pois basta um passo ou uma pequena ajeitada de outro sujeito para que eu não consiga mais me ver naquele espelho, ou seja, por incrível que pareça você se perde dentro daquele 2X2 mais ou menos.

Quando finalmente me encontrei estava com olheiras terríveis, meu cabelo estava despenteado e o ar...mais pesado.

Comecei a reparar nas pessoas que compunham comigo aquele cenário constrangedor onde um tem que olhar para o outro e falar qualquer coisa do tipo: "Como está quente lá fora" ou fazer competições de quem viu por último quantos graus os termómetros marcavam nas intermináveis ruas de São Paulo.

Tanto que descrevi que me perdi... Exatamente o que acontece nestes segundos de viagem no quadrado sem ar.

A gente se perde, esquivando-se de nós mesmos no espelho e dos olhos dos outros. Mas, quando olhei em volta vi que quase todos eram possuidores de olheiras, estavam cabisbaixos e com aparência exausta.

Estariam indo pra onde?

Por que estamos todos na mesma situação, apertados, desconfortáveis e com a mesma aparência?

Eu estava ali porque devo ter escolhido!

Poderia estar lá fora, tomando sol, dormindo em alguma rua no meio da tarde, brincando com meus filhos, conversando, ou poderia ter subido de escada.

Subir de escada?

É, isso mesmo! Poderia ter usado minhas próprias pernas e a escada, que está sempre lá a minha disposição. Não tem fila nem constrangimentos e realmente eu não preciso de um espelho pra me mostrar quem eu sou e nem o tamanho das minhas olheiras.

Subir escadas! Nunca pensei que uma coisa tão simples e evitada pela maioria das pessoas pudesse fazer a diferença para mim. Não subir por subir, mas pelo fato de tomar uma atitude. Posso até ir de elevador se assim eu preferir, mas não como uma condição ou falta de opção.

Subir as escadas, além do exercício físico, qualidade de vida, economia de energia, é um exercício mental, você exerce seu poder de escolha e usa esse tempo para pensar sem a necessidade de um espelho que além de dar uma amplitude maior ao pequeno ambiente serve pra te mostrar como você é, vista de fora, é claro como por exemplo suas terríveis olheiras! Mas além de tudo, subir as escadas é usar o que você tem para chegar onde você quer, a hora que quiser e sempre que tiver vontade.

Olheiras no elevador, só quando eu tiver vontade de não fazer nada, literalmente.

Isabella Fagundes
Enviado por Isabella Fagundes em 10/12/2008
Código do texto: T1329001
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