SANIDADE INVERTIDA
Moria* , a mãe sã da piedade, pede que por um minuto silenciado seja todo o rompante de entusiasmo, todo gemido de gozo, todo estampido de violência, todo estupor de doença. A dor nos venceu, e até mesmo a loucura (logo ela) sucumbiu à lucidêz hedionda dos dias flácidos, do espasmo débil das semi-vidas. Faces estupefatas, maldade humana, honraria às avessas, logro sem pudor. Dessas noites de sono profundo nada tenho pra contar, pois já não possuem sonhos. Quisera eu ter no rosto um riso louco, de eufórica loucura, ingênua, sem receber na testa as pedras da inquisição. Não ceifei vidas, não banalizei amores, e nem mesmo neguei Cristo. Não devorei noticiários sangrentos, nem comi da carniça oriunda deles. Antes quis a loucura, e a reverenciei como fez Erasmo**, sem intermédios nem narcóticos. A loucura que me habitava, e me remetia à infância, me trazia odores e sonhos há muito esquecidos. Não falo aqui da loucura imêmore da ganância, tampouco da patológica, que entristece e paraliza, ou ainda da loucura estéril dos psicopatas domésticos; mas da loucura dos que se arrojam a "insensatas" paixões, dos que andam sem pressa na chuva, dos que falam sozinhos, dos que são sozinhos, dos que tem sempre um sorriso pronto e insanidades benéficas de vida na cabeça. Dos que não contemplam o por-do-sol apenas no wallpaper de seus computadores. O mundo não enlouqueceu, antes adoeceu sem remédio. E se remédio houvesse, o que haveria de mais salutar senão a referida e elucidada loucura? Sem definições termino, louco pelo que mais vier.
* Em grego antigo, Mória quer dizer Loucura
** Erasmo De Rotterdam (1467 -1536) Escritor Holandês