NOITE
NOITE-
O homem não é um só (assim como o dia).
Há um homem nos teus ossos, na tua carne,
no teu sangue, no teu coração.
É preciso buscar a unidade para ser homem completo.
O que temos sido?
Meio homem é viver meio morto.
Meio morto é ter solidão, é ter noites.
E as noites são racistas tradicionais e radicais
porque não anoitecem de igual modo para todos os homens.
As noites são fingidas. São claras para uns (fingem que é dia),
Enquanto, na mesma hora, lá na roça junto aos sem-terras,
é uma trêmula luz de vela.
A noite só é bela para o que enxerga, além de tudo, os astros.
A noite é pobre, de suor cansado, de sexo sem amor,
de um corpo abandonado.
Tenho vontade de dar descarga na noite
e misturá-la a adubos para cultivar o dia.
Mas ela é pegajosa, cola-se à pele do mundo por que veste bem.
Essa vontade de picar a noite em mil pedaços,
de ser uma estrela vespertina, de descer nos olhos
e ser manhã de todas as noites de todos os homens.
Do livro DEPOIS DO SILENCIO (Heliamara)