A morte do pardal
Eu o vi, na sua alegria ingênua e simples, a saltitar em plena rua, buscando alimento para si e, talvez, para seus filhinhos.
Nada o demovia do seu intento. Nem mesmo aquele automóvel que se aproximava celeremente, pois, familiarizara-se com essa espécie de máquina que aos milhares cortam diariamente as ruas das cidades grandes.
Continuava o irrequieto pardal a colher, ansiosamente, os grãos de alimento em derredor a si, aguardando maior aproximação do carro para só então alçar vôo...
Desta vez, porém, seus cálculos falharam; suas retinas um pouco cansadas, talvez, o traíram e daí a fração de segundo aquilo que instantes atrás era um pardal cheio de vida, de sol, de liberdade, não passava de um punhadinho de carne pontilhada de pequeninos ossos, coberto de penas e esmagado sobre o paralelepípedo!...
Pobre pardal!... Estranho e triste fim o seu! Morrer assim, tão rudemente!...
Você que poderia jazer em paz sobre as relvas acetinadas das campinas, tendo por manto o azul infinito do céu; e para ungir-lhe, a lágrima pura e santa que sobre você cairia, em forma de orvalho, dos olhos negros, grandes e tranqüilos da noite...
Você que teve para beber as águas frias e cristalinas dos regatos!... Para comer, os frutos frescos e maduros que lhe oferecia a natureza!... Para movimentar-se, o espaço livre, sem fronteiras nem horizontes!...
Você, cujo destino eu invejaria, resolveu descer, viver das migalhas caídas sobre o asfalto!... Beber, furtivamente, a água poluída e quente que rola nas sarjetas ou nos quintais!... Viver cercado de incompreensões, odiado e duramente perseguido e castigado pelos meninos de rua, que não podem, jamais, compreender seu grande drama...
Finalmente, eis o destino que você mesmo escolheu: morrer massacrado ante a indiferença e a estupidez humanas...!
Pobre pardal!!!...
Novembro de 1963.