VIDA: O SUSPIRAR DOS AFETOS
VIDA: O SUSPIRAR DOS AFETOS
Joaquim Moncks
Folhas tristes de plátanos ao sol de outono. São amarelos os olhos do poeta, mas nem por isso a visão é turva.
Aqui, pelos frios corredores, a vida respira no suspiro das Amadas, nas contas dos rosários por entre as mãos úmidas das mães, no olho ciclópico de Deus (implorado!) e na diuturna dedicação de anônimos heróis, com seus brancos aventais, doçura nos lábios.
Lá longe, no alto da colina, o poeta espreita o coração do Povo.
É estreito o mundo entre/cortinas do hospital. Mas seria diferente se o poeta estivesse lá fora?
Lá longe, nos morros, nas favelas, a vida é fome, sujeira, violências.
Quando em vez, após o informal enterro do dia, uma estrela espia e cai, de repente, como se tomada de susto.
A grande cidade arde, dia e noite, mas é maiúscula a crucifixão noturna: círios de luz tremeluzentes com seus fachos de medo.
Hepatite: náusea, dor. Solidão. Campainha que chama. E eis que a porta se abre, o coração em sobressalto bate o ritmo da esperança.
Lá fora, a cidade é uma grande fogueira pra saudar a chegada do pirotécnico São João, com seus foguetes que parecem girassóis gigantes.
Depois do foguetório, quando tudo já é silêncio, debaixo desta noite, em cada casa, quanta angústia iluminada!
– Do livro EU MENINO GRANDE, 2006 / 2008.
http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/130836