[Tu me Sabes]

Hoje... ah, não apenas o dia de hoje,

mas em todos esses dias sem conta,

eu não sei mais quem sou,

pois não sou para ninguém!

E se não há quem me saiba,

não há quem de mim tenha o gosto,

nunca seria eu a decifrar-me...

Se eu pudesse chorar,

se eu pudesse clamar,

se eu pudesse sentir,

se eu pudesse amar,

se eu pudesse gritar,

se eu pudesse crer,

se eu pudesse ir,

se eu pudesse...

se eu pudesse...

se...

Mas não posso nada;

só o que posso é ficar, ficar, ficar,

ficar atônito nesta vida à-toa,

ficar até perder o gosto, virar bagaço,

ficar a vida toda, feito documento de cartório,

feito um dormente da linha do trem...

ficar é queimadura lenta, por dentro da gente;

ficar não gasta o que eu não tenho — energia!

Ah, esse corpo lasso, essas pernas trôpegas...

Ou antes: posso sentar-me numa pedra,

e olhar o mundo — ver os cães passando,

carros passando, pessoas passando,

praças sem nexo, gentes sem rumo,

esquinas com putas acabrunhadas,

trilhos sem trem, tarde sem suspiros,

vida sem o sumo quente da libido,

sol nascente e sol poente... noite!

Noite, para quê? A vida, para quê,

Se não há mais quem me saiba?

Mas tu... ah, será que me sabes?!

__________

[Penas do Desterro, 25 de novembro de 2008]