(((( CHUVA ABERTA ))))
Hoje a chuva não parou. Chove há dias, mas hoje deveria parar. O vento e a água se uniram para açoitar minhas árvores, inundar o meu chão, derrubar minhas cercas, desabrigar minha razão. Ilhado em mim, encharcado pela intempérie que chora oceanos em meu telhado. Espero num canto, tremendo, que essa chuva passe. Sim, vai passar.
Começarei então a faxina; jogarei fora baldes de mágoas, varrerei a lama, secarei do chão todo o rancor. Fixarei nas paredes novos quadros, doarei o que não me serve, queimarei o que não tiver mais conserto. Na cama estenderei um lençol branco, sem máculas, e na mesa um vaso com flores de paz eterna. Perfumarei de esperança os ambientes, hospedarei a serenidade, que descançará tranquila, perene. E quando o sol finalmente surgir, hei de abrir todas as janelas -também as da alma - para que se encha de luz todos os meus dias. Anistiarei então a chuva, que poderá cair sem avisos, para que molhe o meu corpo, arrefeça o meu jardim e faça florescer minhas sementes.
E que haja de novo lua em minhas noites, carinho em minhas mãos, calor em meu corpo, temperança em meus atos. A casa em ordem. O sono em dia. A porta sempre aberta.