Uma saudade a mais
Quanta tristeza neste fim de tarde!... Tarde primaveril, em que o perfume que evola das flores silvestres e do nosso jardim, cá na península norte, se espalha no vasto espaço vazio, onde se ouvem ainda as modulações sonoras dos derradeiros trinados dos pássaros que se recolhem a seus ninhos, enquanto o sol reclina sobre nuvens cor-de-rosa, lindas de morrer, e as primeiras estrelas tremeluzem, ainda pálidas, ante a incidência dos últimos raios solares.
Todavia, em meio a tanta beleza, capaz de tocar e enternecer a mais insensível das criaturas humanas, uma tristeza imensa se ergue e se abate, implacavelmente, sobre nós. É que China – nossa pequinês – morreu neste fim de tarde... E, por uma ironia da sorte, ela que durante dez anos, buscou sempre o nosso convívio, distribuindo humildemente, amor e muito carinho, morreu sozinha em uma dependência de nossa casa, sem o nosso afeto e as atenções e cuidados que a ela dispensaríamos.
Assim, o dia seis de outubro não a encontrará pela manhã, como de costume, a ladrar pela área de serviço, alegre e festiva, a saltar sobre nós, lambendo-nos as mãos ou procurando deitar-se, humildemente, sobre nossos pés.
Em seu lugar, o silêncio... E, em nossa alma, uma saudade a mais, daquelas que o tempo pode esmaecer ou ofuscar, mas, apagar, nunca...
Escrita em Outubro de 1973.