A minha terra

... Esta terra, a minha terra, a terra das chuvas teimosas, da névoa encobridora de horizontes, a de altas ervas a medrar selvagens como longos, negríssimos, pensamentos nos invernos de ténues candeeiros acesos já no pleno meio-dia, a do mato expandindo-se, nesta terra da má-sorte perpétua, de naufrágios ainda nas suas costas de morte açoitadas por mares incertos onde os mares acabam, nesta terra onde findam as terras, os oceanos do fim do mundo, aonde iam parar, vagueando, os despojados, os desgraçados, desalmados, todos os deserdados da terra, de todas as terras, a esta terra esquecida desembocavam entretanto, da fome para a fortuna, os seus próprios filhos a abandonaram procurando outros mundos para nunca mais voltarem, ou retornando malferidos para sempre pelas saudades rachadoras, a esta terra, à minha terra sem mapas nem geografia onde, dizem, Deus se deitou o último dia da criação a descansar -os seus dedos apoiando-se desenharam os nossos perfis, transpirando-nos para toda a eternidade e ainda depois-; à minha terra nevoenta pelo suor talvez dos que a lavraram, à minha terra orvalhada pelos olhos brilhantes talvez dos que tantas lágrimas contidas se têm evaporado, por ela, pela minha terra do outro lado, aonde a passagem está proibida, ainda que fosse feita para ti e para mim, negando-se-nos cruzar a ponte que a ela leva desde essa de homens cobertos de gris e mulheres de preto, a terra essa da que um sempre se tem de ir embora, e o que fica não está, onde a mãe esquece ao filho, o irmão enfrenta o irmão, pela omnipresença do que se foi, levando consigo toda a lenha para o lume do coração, deixando em troca abertas como feridas todas as portas ao vazio para abrir esta minha terra sem terra, sem casas nem pessoas, sem costas nem abrigos, sem piedade, na minha terra, esta terra, a terra de ninguém...