Música não envelhece

Era uma dessas noites outonais, mesclada já de uma pontinha de inverno...

A conversa corria animada, quando aos meus ouvidos chegaram os acordes maravilhosos de uma valsa antiga e muito sentimental, provinda de algum rádio distante e que penetravam, gradativamente, minha sensibilidade, povoando-a de saudades... Saudades de alguém, de alguma cousa imprecisa, perdida na distância ou na penumbra do esquecimento que os anos geram em nós!...Saudades de minha mãe, talvez; das noites boêmias vividas em serenatas; saudades, talvez, de alguém que se encontrava ao meu lado, quando ainda uma mocinha de quinze anos e eu um irrequieto rapaz de dezoito...

Minha emoção aumentava!... Meu pensamento pairava sobre um passado que já ia longe... Meu corpo, certamente, se imobilizara e meus olhos pararam perdidos em um ponto qualquer...

Aquele estado de êxtase, embora se me afigurasse uma eternidade, não deveria ter ido além de alguns segundos. Súbito, despertei-me daquela letargia...

A valsa ainda se fazia ouvir em seus derradeiros acordes e eu não pude conter estas palavras: que música maravilhosa! Que valsa sublime! Embatível pelo tempo, pois que já é bastante velha. Foi quando uma septuagenária amiga aguçando os ouvidos, olhou-me fixamente e, num tom que deixava transparecer sabedoria e experiência, disse-me, com um vago aceno de cabeça: - “A música não envelhece, meu amigo; nós é que envelhecemos” -.

Achei deveras interessante sua observação e o fundo filosófico que ela continha. Contudo, era eu moço demais para me deixar impressionar por suas palavras. Coisas da idade, pensei!

O tempo, porém, continuou sua marcha inexorável... A velha amiga partiu para a grande viagem sem retorno e eu sou quase um velho agora...

Passados vinte e cinco anos, homem maduro e bastante sofrido, ao ouvir algum programa saudosista, algumas valsas do meu tempo de rapaz, ou que as tenha ouvido quando criança, me vêm à mente aquelas sábias palavras, pronunciadas por minha velha e saudosa amiga.

E, concluo baixinho, comigo mesmo: a velha tinha razão: - “ A música não envelhece; nós é que envelhecemos.” E como!!!...