Improviso

Foi como se, de repente, houvesse acordado de um sonho. Percebeu como as coisas ao redor não eram exatamente como pareciam. E que quem estava em seu lugar, não era seu eu, mas um personagem a mais que se mostrava ao meio dos tantos que viviam dentro daquele ser, antes tão pequeno e fraco, mas que agora se preparava para libertar.

Não tivera adolescência. Dormira durante toda a infância e, num súbito grito desesperado vindo de dentro de sua alma, da razão de sua essência – ou num estalar de dedos de um dos ‘eus’ dentro de sim, nem sequer ela sabia – havia acordado e se dando conta de que não se encontrava onde deveria.

Sonhara com isso algumas vezes, mas nunca tinha visto de forma tão real e clara, de forma tão normal e corriqueira, que se tornava assustadora pelo simples fato de ser de tal forma. O corpo, o contexto, a crônica e a capa não lhe pertenciam de verdade. Mas o significado, a luz, a essência, esses sim eram dela, e foi o suficiente.

Imaginara, tantas vezes em meio a seu sonho, seu sono, seu devaneio tão constante, uma vida que talvez pudesse ter, acreditando, pelos anunciantes da capa, que não teria. Mas quem sabia ler nas entrelinhas, percebia que na realidade, aquela era sua única certeza.

Chamavam-na sonhadora. E era o que era. Os que chamavam, porém, eram os únicos que não podiam perceber que realmente era. Não vivia cada dia como se fosse último, como dizem por aí, mas aprendia com cada fato que podia, cada vírgula, cada travessão, cada ponto de exclamação.

Mas naquele dia, entre as doses típicas de sonho diário, quase no instante em que seu universo se cruzava com os que rodeavam as mentes das outras pessoas com coisas vãs e inúteis, ouviu o estalo que a despertou.

“Já era sem tempo”, pensavam alguns dentro de si. Enquanto outros mostravam que era nova fase que começava: “ponto, pula linha, travessão”.

Agora sabia que seus sonhos não eram vãos, como alegavam os outros. Eram, sim, mais reais do que pensava, e agora via que não estava no lugar onde deveria, mas que dentro de pouquíssimo tempo estaria e seria realmente feliz. Não com o que planejavam para ela, mas com os planos que ela mesma fazia, sabendo, agora com certeza, de que era capaz de sonhar e ser feliz.

Kamila Babiuki
Enviado por Kamila Babiuki em 14/11/2008
Código do texto: T1283972
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