Diálogo com o ‘Poema Vazio’

Nalva: Prezado poema que ainda não inventei:

Você deveria falar dos sonhos de amor ou... Quem sabe...

Da dor, sempre se lêem textos assim, marcantes, tocantes...

Poderia desenhar uma noite de luar ou um verão, talvez,

ou quem sabe homenagear um santo, um ente, uma rosa...

Hilde: Olha! Serei bem franco, transparente e sincero contigo.

Não sou muito de fazer escolhas ‘à priori’ do que irei escrever...

Seja lá o que for... Se em versos ou apenas uma boa prosa eu

pego a caneta, procuro um papel e solto a pua sem dó e muito

menos piedade e não tenho também pretensões de ser poeta.

Nalva: Tema difícil, enredo miserável, afinal, sou poeta ou não?

Será que só sou mais um louco divagante ou senil?

Será que meus versos só surgem se houver melancolia?

Será que sou um tolo pensando que faz poesia?

Você bem que poderia me dizer, afinal não é meu confidente?

Hilde: Ah! Estou aqui coçando a testa e o tutano mandou te dizer:

Que pensar assim não presta. Espia o beija-flor dançando e fazendo

festa em cima da pétala roçando o pólen. E a criança ali brincando

faceira e esperta. Os passarinhos de galho em galho na floresta.

Soltando uma sinfonia de pios com as peninhas em arrepios.

Nalva: Você só pode estar num processo grevista, fale a verdade...

Boicotando milhares de palavras bonitas, não é? Eu sei que sim

Talvez você esteja numa manifestação de sua categoria,

buscando adeptos para os devaneios mais secretos

ou quem sabe perdidamente apaixonado por outra poesia...

Hilde: Na verdade estou é mesmo aposentado e folgado só coçando

a virilha. Olhando aqui da praia o navio singrando as ondas violentas do mar. Estou espreguiçado como calango com o sol aquecendo o meu lombo. Todo este corpo, a face, a pele anda namorando com a brisa que está agora beijando gulosa o meu rosto com redobrado gosto.

Nalva: Prezado poema, o que será de mim? Sou seu escravo...

Sem te escrever minha vida é apenas um vácuo, um espectro,

eu me misturo contigo nas letras que você me acrescenta,

não me deixe assim, nesta tristeza, desinspirado e paralisado,

minha virtude está amarrada no seu talento, não sou um só...

Hilde: Sabe linda poetisa... O que você escreve é como um perfume

de flores silvestres que exala no ar e que é um verdadeiro colosso. E o amor que eu te devoto Nalvinha... É o mesmo que me devora do entardecer à aurora. Vejo na tua arte a beleza da moldura do teu quadro que não resisto em vir aqui colocar o conteúdo do traçado do meu ébrio e vadio pincel.

Nalva: Volte pra este poeta que você tem abandonado,

faça juntarem-se aquelas palavras exaltadas e desconexas,

as quais retirei absurdas de tudo que eu já li ou vivi,

e você, mais louco do que eu, ousou tornar estrofes arrumadas...

Fique mais um pouco, somente enquanto vivo eu for,

somente para um mister, o de que meu coração bata!

Hilde: Aqui estou para ver a tua gargalhada. A imaginar a doçura

do teu riso largo e farto acompanhado de tuas ancas requebrantes.

Vejo o fascínio de tuas tranças que balançam. E o decote que mostra

com suavidade os teus seios saltitantes. Vira, mexe e remexe e aparece uma palavra tua que me aquece e outra que entristece.

Ou então... Permita-me a ousadia de imaginar o semblante de uma

mulher nua passeando de mãos dadas comigo olhando para a lua...

Do meio da rua chupando e assoviando cana. E a maravilha dos teus

versos casando com a minha prosa. Tudo então se aquieta e desperta.

Agora eu me vejo cobrindo o imenso vazio descrito por ti e ouvido pelo

meu coração. Tanto é que não resisti e vim compor este diálogo à beira da piscina, de frente pro mar de Guarajuba/BA, contemplando uma pequena cachoeira que massageia a cabeça, as costas, a pele de uma linda e bronzeada baiana morena da cor de Madalena.

Diálogo de Poemas: Nalva & Hilde

Nota: Inspirado no ‘Poema Vazio’ da Nalva

Publicado no Recanto das Letras em 05/02/2008

Código do texto: T847357

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/847357

Navegando Amor
Enviado por Navegando Amor em 14/11/2008
Reeditado em 14/11/2008
Código do texto: T1283387