Com as aves

"...pronunciássemos as palavras que nunca dissemos."

(Carlos Frazão)

Certo dia, quando o mar se aproximava de Waterford e eu do mar, ao cair da tarde, os olhos sonhassem a ondulação do ar - antes de chegar ao silêncio do crepúsculo

para ilustrar a memória e o corpo imóvel sob o vento. Certo dia em que vivemos adiados do que não soubemos ser ou sabemos que o sangue nos arde a alma. Perplexos como

as árvores do litoral rondando o infinito. Ficar estendido de borco num fragmento quando na miragem de uma luz reflectida em grãos e sensações e a tua pele florida na âncora dos lábios,

esse dia. Waterford, a Irlanda marítima no voo dos navios ao fundo, dissequei em hastes o frio invisível da noite próxima, eis, eis a inevitabilidade ética de amar o destino de um lugar assim,

mesmo onde não se volta, o que ficou de nós naquelas imagens anónimas, regresso à estrada guardando o brilho imutável, haverá outra hora, o manto do mar debulhado na neblina recôndita,

não serei o mesmo – virás pela melodia do sonho povoar com as aves

outro dia.