Vazios
Escrevo então para afastar a angústia. Essa sombra que paira, leve e pungente. E é preciso muito. Sempre e tanto. Porque. Não há nada que seja explicativo. Simplesmente é. Chega e vem. Açoita os sentidos. Maltrata os olhos, flagela os passos. Fujo para anestesias. O tempo parece muito. A água imprópria. A mar ga men te. Contradições. Confusões. Confissões monológicas. De mim. Pra mim. Eu. Ontem. Hoje. Amanhã? Uma dor indevida. Descabida. Sem propósito. De nada adianta escrever. O resto é tão só. E vago. E mortal. Inóspitos horizontes. Refúgios que não alimentam. Atiçam a fome. Ainda mais. Esses balões diários. Alternados e inúteis. A fome só aumenta. Só instiga e destrói. Sinto tanto e tão pouco.
Pra que falar das fugas? Das angustias incontidas? É de silêncios que vivo então. E de buscas vãs. E de alegrias outras. Preciso das angústias alheias. Diluir-me em todas as mágoas, em todos os risos, em todos os prantos... Esquecer-me nos sorrisos, atiçar-me nas outras sedes, embriagar-me nos outros copos, açoitar-me em outros destinos. Desfazer-me. Refazer-me. Ser tudo o que de mais me contém, ser tudo o que de mais me convém. Derramar-me de tanto que não me contenho. Ser-me além de tanto que não me posso. Ser um triste refúgio. Uma estrada sem flores. Sem pássaros.