Desabafo

Numa folha em branco, coloco meus sentimentos, registro meus momentos de alegrias e dores. Numa toalha branca, enxugo as minhas lágrimas, folhas caídas da árvore da vida.

`As vezes me pego com os olhos marejados, repousados na despedida da poesia. Afastado de minhas atividades, bate uma saudade do corre- corre da labuta, dos colegas e amigos de profissão, da gostosa luta em busca do pão nosso de cada dia. Meu tempo agora é de repouso, medicação e reflexão. É preciso aceitar que a vida segue seu rumo, e que todos ao meu redor precisam, e devem continuar buscando seus sonhos e desejos. É necessário encarar o medo, e não fugir do reflexo do espelho.

Meu braço direito, enfraquecido e atrofiado pelo destino, tenta imobilizar este homem de alma de menino. Em alguns momentos, o sorriso me foge por entre os dentes, feito semente que não encontra um solo fértil; uma tristeza e uma angústia toma conta do meu peito. Tudo isso é um processo natural que precisa ser vivenciado com muita intensidade, pois sempre propicia um crescimento pessoal.

Durante essas "crises," saio pelas ruas do meu bairro, de bermuda e sandália de dedo, a passear com minha cadela da raça Shit- tzu. Sem pressa e sem destino, sigo o caminho da emoção: Flores amarelas de ipê na calçada, com cheiro de cor, formando um tapete no chão; crianças brincando nas praças; um bem- te - vi num galho de árvore; o olhar de sabedoria de um idoso; o sorriso de uma criança lambuzada de sorvete; um verde jardim exalando beleza; uma flor desabrochando na janela; uma mulher esperando um barco a vela; o canto de um quero- quero; a sonoridade de uma concha e o mar que não tem tamanho...

No silêncio, na crença que nele a fala é mais intensa e verdadeira, caminho a passos mansos, feito anjo passeando pelas nuvens em dívida com a lua, essa deliciosa criatura que desliza afago quando abre os braços e nos acolhe com ternura. Mas ainda é dia, e o sol chega sorrateiramente, acariciando com seus raios de afeto a nossa pele. Rege uma doce sinfonia de calor e magia. Aqueço a alma e me sinto no ventre materno, no belo aconchego do líquido do amor sem fronteiras.

Neste instante, vem a certeza de que ainda há esperança para quem conserva a criança, dentro do coração; para quem traz nas mãos o sorriso desprovido de malícia; e para quem vive com simplicidade, o menino travesso, avesso ao medo de ser feliz.

Roberto Passos do Amaral Pereira
Enviado por Roberto Passos do Amaral Pereira em 09/11/2008
Reeditado em 09/11/2008
Código do texto: T1274421