A Fabulosa Versão Errada de Amélie Poulain

Nunca teve delicadeza nos movimentos ou palavras, mas sempre foi uma pessoa de delicadeza inexplicável por trás da grande carcaça de pedra que costumava utilizar como proteção - e que poucos conseguiam atravessar ou enxergar além de. Dezoito anos e colecionava sonhos, uma boa porção realizada, outra não menos significativa guardada e vivida intensamente todos os dias, mesmo que só em seu mundo particular.

Os sonhos que realizara foram, de certa forma, frustrantes. Idealizar demais, no fundo, é isso: um constante e eterno meio de frustração. Mas ela sabia que nada era perfeito como a fazia acreditar seu coração. E nele é que vivia as melhores coisas de sua vida: sentia abraços nunca dados, olhares trocados com alguém que nunca a olhou, mãos macias que nunca tocaram as suas, beijos românticos e mordidas em lábios que nunca tocou. (Nunca fora beijada de verdade: pelo menos nunca sentiu ter sido. Em suas poucas experiências os resultados foram decepcionantes. Não houve química, tesão, carinho, vontade. Só medo, pressão ou culpa. Incontidos. Irremediáveis).

A vida toda lutou para ver sorrisos nos rostos dos outros. Gostava de ouvir desabafos, opinar. Não tinha medo de ser cruel dizendo a verdade porque sabia que seria mais cruel escondê-la. Abria mão de desejos no decorrer de sua vida apenas para que outros pudessem usufruir deles. Aqueles que amou, mesmo que a fizessem chorar, ela sempre fez toda a questão de ver sorrindo.

Nunca serviu muito para o mundo real. Sempre foi um poço de dúvidas. Incompreensível alguém que pouco viveu entre outros humanos carregar tantos traumas.

Mas era feliz sozinha, embora tivesse certos espasmos de carência. Esperava a pessoa certa enquanto criava relações perfeitas e imaginárias com as pessoas erradas. Em seu mundo, todo dia era dia de um novo final - feliz.

Nica
Enviado por Nica em 08/11/2008
Código do texto: T1273092
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