Cinzas
O que restou enfim?
Sei que, embora inútil, ainda me resta a transparência da lucidez.
Mas não me consola a luz que ilumina o pensamento.
A revolta é um sentimento impuro, um animal ingrato que morde com freqüência a mão que o alimenta.
Não pode haver perdão, onde jamais houve arrependimento.
Não há resignação, se a dor que ficou é impiedosa e pungente.
Não existe o conformismo, quando sequer foi dada oportunidade de defesa.
Não é possível submeter-se, se há revolta e mágoa aniquilando o coração.
Não há remédio que cure o corpo, quando a febre ardente consome a alma.
Sei também que, apesar de tudo, deve-se tirar de tudo o que restou algo de bom.
Afinal, não há nada tão ruim que dele nada se aproveite.
Mas na penumbra que envolve a inércia deste quarto, a visão turva de meus olhos submersos, não consegue ver o que de bom exista.
Não é possível enxergar um milímetro sequer, além da proeminente tromba atrevidamente instalada na ponta do nariz.