SOU APENAS MAIS UM ROSTO NA MULTIDÃO!
Sou apenas mais um rosto na multidão. Caminho pelo bosque, a passos largos, onde sempre faço minhas caminhadas, mas hoje, meu peito está apertado demais, nem sei por que caminho tão depressa.
Sou apenas mais um rosto, que passa despercebido e cabisbaixo. Caminho pra tentar me encontrar, pra tentar ver as coisas com mais clareza.
Eu sonhei e acreditei em nosso sonho. Não só acreditei como cheguei a vivê-lo em pensamentos. O abraço, os beijos, o vestido, as rosas vermelhas, o champgne em nossas bocas, o amor escancarado que esperei a vida toda.....Tanta coisa a ser dita.....Você me fez acreditar nisso...e de fato acreditamos nisso........Veja...... Estou tentando mandar a tristeza embora, mas uma sensação estranha me acompanha.
Estou em silêncio. Um silêncio que incomoda.
Observo as pessoas que vem e que vão, num ritmo frenético, quase que mecânico. Ninguém olha pra ninguém, parece que cada um, foge de alguma coisa. Ninguém se preocupa com ninguém.
Não há tempo, sequer pra um bom dia. Penso, porque tudo isso?
Sinto o vento tocar meu corpo de uma maneira estranha, não acariciando-me como sempre senti,mas de um jeito frio. Meu sorriso não veio comigo, negou-se a me acompanhar.
Olho as folhas secas que forram o chão, formando um lindo tapete, belo, mais sem vida. A chuva chega e castiga meu corpo, mas mesmo assim continuo minha caminhada.
Crianças brincam descalças na água da chuva que escorre.
Volto no tempo, e me lembro quando era criança, e também, brincava descalça na enxurrada, este era o nome que eu ouvia ...Menina...sai desta enxurrada, essa água é suja!! Mas que nada, era tão bom brincar na chuva, pisar naquela água que escorria por entre meus pés, sentia uma alegria imensa, era feliz com tão pouco. Não tinha medo de nada.Tinha um pequeno rio que passava perto de casa,quando chovia, ele transbordava e lá íamos eu e a turma, pescar de peneira, entravámos naquela água suja e ríamos de tudo, as mães ficavam loucas.
Volto a observar as crianças brincando naquela água da chuva e sinto por um momento o quanto à vida é cruel. Vejo que aquela enxurrada não era nada, era apenas água da chuva misturada a terra, não fazia mal nenhum, bastava entrar em casa e tomar um banho, que tudo passava. Hoje a enxurrada que sinto é interna, é silenciosa.
A roupa cola no meu corpo molhado, mas parece que não sinto.
Sinto vontade de juntar-me as crianças, mas elas também estão tão distraídas que nem percebem que me aproximo. Fico ali parada, como um fantasma, olhar perdido. Só ouço o riso das crianças, que não se preocupam com nada.
A chuva aumenta de intensidade e sou obrigada a parar. Fico ali parada, num abrigo até que ela passe. Aí me dou conta que parece que não cresci, ainda ouço.....Menina não faz isso, menina vai estudar,menina você precisa comer,menina tenha calma,menina tenha paciência!....menina!.menina!..Mas eu cresci, já não dá mais pra ficar olhando a vida passar, sem amar, sem beijar,sem prazer. Embora eu aja feito uma menina às vezes, eu sou uma mulher que preciso de carinho, de amor,de tesão, de afeto, de companhia. E eu quero agora!
Meu pensamento voa e vejo o quanto é bom ser criança, embora nunca tenha sido preciso me mandar estudar. Eu amava ir pra escola e amava chupar chupeta. Morava na fazenda e freqüentava a escola rural, que ficava um pouco distante. Eu ficava esperando as outras crianças passarem e me chamarem pra ir pra escola, e, assim eu ficava com a chupeta até os últimos instantes, até que ouvisse uma voz me chamando. Minha mãe então, me lembrava sempre.....olha a chupeta!
Um dia minha mãe, já cansada de tentar tirar minha chupeta, deixou que eu fosse pra escola com ela. Ah! A criançada me viu. Foi um dos piores dias da minha vida, me lembro até hoje.
Fiquei com tanta vergonha! Mas mesmo assim, não a joguei fora, escondi no meio de uma planta, pra depois da aula eu pegá-la de volta. Que tristeza! Quando terminou a aula, lá fui eu, correndo em busca da minha chupeta. Que decepção. O sol havia amolecido e quase derretido ela por completo. Chorei tanto! De raiva, de vergonha, de tristeza. Mas foi assim que eu deixei de chupar chupeta.
Hoje vejo que as coisas não são tão simples assim. Não dá mais pra esconder as coisas que gostamos, pra vir pegar depois. Não adianta chorar. O depois não existe.
Volto a olhar meu corpo molhado, meus cabelos em desalinho,as pessoas já foram embora e eu nem notei,estava perdida em meus pensamentos. Só umas crianças que devem morar por ali, continuam a brincadeira.
Uma linda menina se aproxima com uma flor na mão e parece que lê meus pensamentos, me dá um lindo sorriso, entrega-me aquela flor do campo singela e meio amassada e me diz: Tia, pra você!
Não sei se choro ou se abraço aquela menina de olhos vivos, sorriso cativante, que mais parece o meu reflexo de criança. Abaixo-me e dou-lhe um beijo de agradecimento, naquela criaturinha que me fez ver o sol, mesmo embaixo de chuva!