Varal

Uma roupa no varal pode lembrar muita coisa. Mas vai depender da roupa, e mais ainda, vai depender do varal. É claro que não falei ainda da lavadeira. Ah, que cheiro fresco de sabão de coco e roupa estendida.

Então esse é um varal de casa de campo. Longe de tudo o que conhecemos, mas perto de tudo o que quase ninguém conhece. Assim, um lençol, balançando como se balançam as flores, está ali imponente e bem lavado. Gota a gota seca, devolve à terra o que dela foi tomada, a água.

Balança e emite com a sua dança mágica as imagens de ontem, de anteontem, do século passado, quando ainda era semente.

Ah, lavadeira esperta. Lava a roupa rindo, mas não porque está feliz com seu ofício. Lava o lençol porque precisa, pra usar de novo. Com as mãos enrugadas e gastas na beira do tanque, sonha ainda com a próxima lavada, e a próxima. O vestido leve lhe contorna o corpo robusto, as pernas grossas, com manchinhas tímidas aqui e ali. Manchas para ela. Mas para ele, é só mais um temperinho. A pele negra, mais escura de sol, mas que brilha como uma jóia rara.

Ninguém sabe bem o que é, mas o seu sorriso traduz tudo. O lençol fresco? Pobre dele, é um coitado mudo. Mas fechando os olhos, respirando o ar verde e azul e escutando as melodias, pode-se deduzir um pouquinho do que aconteceu.

Aquelas pernas negras e fortes, uma levantada sobre o pé, a outra presa, firme ao chão. E o riso. O riso gostoso, cheio de lembrança. O riso que te levou dali a fazer uma viagem ao tempo. Ontem. O lençol de ontem. Hoje já não é mais o mesmo, devidamente lavado e comportado. Mas ela espera sujá-lo de novo.

Joga água, ensaboa, uma mão segura firme, a outra empurra e puxa, eliminando as lembranças físicas. Vai levantando a espuma em movimento sedutor que só ela sabe, mas não sabe. Porque quem sabe mesmo é ele. Ele que a carrega como roupa passada, deixa-a, plenamente cuidadoso, sobre a cama. Para quando puder, que sejam guardadas num baú, ou usadas mais uma vez no dia-a-dia. Mas ele diz que não gosta de roupa nova, gosta mesmo é de roupa usada. Ela ri. E se deixa sujar inteira, com suor, com esforço. Suspiros de dor e prazer, pra ser lavada no dia seguinte.

Pois como toda mulher de sorte adora ser tratada como roupa nova, ela gosta apenas de ser lavada e deixada inteiramente seca. Ele é um homem que não esquece as roupas que tem no varal. Nossas condições não implicam. Falta um pouco de comida, falta um pouco de água, falta um pouco de tudo. Mas sobra muito lençol. Homem que gosta de lavar roupa. Que coisa gostosa de se guardar com carinho. Quando vejo um lençol estendido no varal logo penso numa mulher. Mas um homem, pra ela é tudo.

Ah belo lençol estendido no varal, como eu te amo.

Isabelle La Fleur
Enviado por Isabelle La Fleur em 29/10/2008
Reeditado em 29/10/2008
Código do texto: T1255095
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