Infinito II

Caminhar sobre um muro, sobre uma linha. Caminhar por dentro do infinito. Escrevo: caminhar sob a linha da memória. Volto a um lugar, volto indefinível. Lembrar a rede do vento numa tarde, melhor, num jardim em que as árvores entardeciam à luz baça e as janelas experienciavam o ar outonal, melhor, no traço crepuscular do dia, o deserto das ruas eram signos luminosos pelo reflexo do nevoeiro líquido. Ainda. Quando a noite se formava na felicidade dos vultos, as palavras eram indiscutíveis e vendiam-se convicções nos lábios anónimos do quotidiano. Uma ilusão em cromos para preencher o vazio. Lembrar é lembrar de novo, um lugar onde nunca estivesse e, no entanto, nele a vida foi exacta, como a ilustração do mar nos olhos cerrados.

Caminhar pelas alamedas do dia, a imensidão dos canteiros crescidos de emoções, escrevi a sombra do céu ou um amor profundo, a decisão das árvores banharem de sombra o bosque, os estados depressivos de Munch para que entendêssemos os contornos da mágoa. Linhas infinitas de emoção numa estrada de saibro onde não sabemos qual o destino. Escrevo, as palavras enunciam imagens, estas imagens intencionalmente confusas, como a memória submersa num desenho que não se apaga nunca. Assim. Um dia, no cristal das horas, escolhemos num instante as sensações para viver, entramos pelo labirinto de mãos dadas ao sol, uma viagem nos leva pela paisagem implícita de um roteiro sem guia – a memória do futuro onde o que importa é a verdade do corpo iluminada pelo corpo múltiplo.