tinha uma Flor no meio do caminho

Eu nunca gostei de flores. Embora sempre as achasse aparentemente bonitas, elas não me impressionavam, não me chamavam a atenção. Minha mãe, que tem um lado pintora, ficava abismada toda vez que começava uma tela - ela sim adorava flores! - e eu não dava opinião, simplesmente porque não achava graça.

Daí que um dia, caminhando pela vida sem prestar muita atenção em nada, eu encontrei uma Flor.

(Não que devesse haver algo de especial nisso, não. Era mesmo pra ser só mais uma flor no meio do caminho. Mas não. Essa era especial. Me chamava atenção. Não me deixava ir, mesmo sem querer que eu ficasse.)

E havia entre nós barreiras. Não poucas. Barreiras estranhas e invisíveis - o tempo, por exemplo. Por algum motivo, aquela flor e eu vivíamos em estações diferentes. Eu no inverno, ela no verão.

Mas sempre tive esperança de que um dia coincidissem nossas primaveras.

Então, sem poder tocar a Flor ou levá-la para minha casa, com medo de ferí-la, eu passava por ali todos os dias. O que era um caminho aleatório tornou-se obsessão. O que era apenas uma Florzinha tornou-se paixão.

E eu decidi que poderia esperar. Não me cansava dela. Daquele pedacinho branco do mundo que acendia em mim mais amor até do que paz.

Decidi que estaria ali, mesmo que a Flor nem soubesse da minha existência. Falhei, é fato. Estive durante tanto tempo cercando a pobrezinha que ela me notou, num dia qualquer, por culpa de um pequeno Erro: quase sufoquei-a de tanto olhar, mais perto, mais perto, mais perto…

E quando pra mim fazia sol, para ela chovia. Quando para mim eram cinzas, pra ela era carnaval. Cansada de tentar com o Universo uma maneira, um acordo, um modo de estar com a Flor por completo, sem medo de tocá-la, cheirá-la, dedicar minha vida a regar e dar carinho a ela, simplesmente sentei a seu lado e fiquei. Sentei pra esperar.

E ainda estou aqui. Acredito que, um dia, quando eu acordar de um desses inevitáveis cochilos que dou ao observá-la, linda, dormindo, será a nossa primavera. E não haverá barreiras, nem distância, nem medo ou empecilhos. Vou poder pegá-la nas mãos com carinho e, sem arrancar-lhe as pétalas, contar uma por uma, “bem-me-quer, mal-me-quer, …”

Parece que essa Flor mexeu em algo dentro de mim que há muito estava adormecido.

Pra falar a verdade, eu ainda não gosto tanto de flores. Mas a visão delas, seu perfume, sua delicadeza, tudo isso me lembra a minha Flor. A Flor que nem minha é, mas que um dia tomou-me para si. É, sou mais dela que de qualquer um.

E só isso é o suficiente para que eu veja nas flores, hoje, uma beleza incomum.

Nica
Enviado por Nica em 25/10/2008
Código do texto: T1247130
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